A Universidade de Lisboa vai fazer 100 anos em 2011 e quer recuperar a sua história e valorizar o património. O programa das comemorações é anunciado amanhãA Universidade de Lisboa (UL) quer criar um importante pólo museológico, reunindo grande parte das suas colecções científicas, no que são hoje os Museus da Politécnica. O centenário da universidade - que se assinala em 2011, mas cujo programa de comemorações é anunciado oficialmente amanhã, na abertura do ano académico - seria o momento ideal para lançar esse projecto. Para o concretizar falta essencialmente uma coisa, segundo o reitor António Sampaio da Nóvoa: trinta milhões de euros para o investimento inicial.
Cem anos é uma idade respeitável, e a UL quer aproveitá-la para recuperar muito da sua história e da sua memória na cidade. "Queremos mostrar como a Universidade esteve ligada à cidade desde o século XIII. Há um património vastíssimo do ponto de vista dos edifícios, que as pessoas conhecem mal", explica António Nóvoa. Neste momento está já a fazer-se o registo deste património e a planear-se percursos pela cidade para o quem quiser conhecer melhor.
Para além dos edifícios, existem as colecções, que também estão a ser inventariadas. "Gostaríamos de publicar um livro sobre elas e aproveitar este balanço para revalorizar a dimensão museológica da Universidade e conseguir construir pelo menos um grande pólo museológico nos actuais Museus da Politécnica, e um segundo pólo mais centrado nas questões da saúde no edifício histórico do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana", diz Nóvoa.
A discussão sobre o projecto já foi lançada - e tem estado rodeada de alguma polémica. O reitor pediu um parecer a um grupo internacional de peritos presidido por Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, e uma das recomendações foi a de fundir os dois principais museus da Politécnica, sob o nome de Museu Nacional de História Natural. Uma hipótese que implicaria o "desaparecimento" do actual Museu da Ciência com este nome e a integração das suas colecções no novo museu.
Apresentado no final de Junho numa sessão pública, o relatório foi alvo de muitas críticas por parte de pessoas ligadas à comunidade museológica e científica, que viam com preocupação essa diluição do Museu da Ciência. António Nóvoa prefere salientar os pontos mais consensuais. "O debate foi muito conclusivo em relação à necessidade de requalificação de todo aquele espaço." Até porque, sublinha, "a situação que se vive actualmente [nos Museus da Politécnica] é impensável, quase do domínio do degradante."
"Ter um olhar nacional"
É preciso melhorar, portanto. "Criou-se um movimento genuíno para a requalificação daquele espaço e isso é muito importante porque havia gente, dentro e fora da universidade, com uma atitude muito conservadora. O discurso de que é preciso proteger é muito importante, mas a protecção sem alternativas leva à decadência. Se não se fizer nada as coisas vão desaparecendo e um dia alguém fecha a porta porque já não há nada para proteger."
Mas, como reitor da UL, é sensível às preocupações manifestadas em relação ao futuro do Museu da Ciência? "Sou extraordinariamente sensível a isso, mas julgo que temos que ser inteligentes e audazes. Todos reconhecemos que Portugal tem museus a mais. Acho que a Universidade não deve reproduzir essa lógica. Temos que perceber como é que se consegue preservar o trabalho de grande qualidade que se faz no Museu da Ciência. Mas sabemos que há outras universidades que também têm planos para fazer museus da Ciência e da Técnica. Temos que olhar para isto do ponto de vista do país e não dos interesses locais. Um dos problemas de Portugal - e isto é verdade para os museus como para as universidades - é que temos um olhar muito local." Aponta para uma cadeira vazia à sua frente. "Achamos que esta cadeira é muito importante e que temos que a preservar e depois desconhecemos que há duas mil cadeiras destas espalhadas pelo país. A preservação e divulgação das colecções têm que ter um contexto nacional."
Uma segunda conclusão do debate, na leitura do reitor, foi a de que "é preciso haver um projecto integrado para aquele espaço". Ou seja, "a ideia de que há um Museu de História Natural e um Museu da Ciência e um Jardim Botânico e mais um museu disto e daquilo, é impensável. A certa altura é uma coisa completamente balcanizada, que não tem leitura para o visitante, não tem capacidade de gestão integrada e sobretudo não tem nenhuma contemporaneidade do ponto de vista do que é um projecto museológico."
Por fim, parece ser pacífica a ideia de que é importante que aquele espaço se abra à cidade. A Câmara Municipal de Lisboa lançou um concurso de ideias para a zona que vai do Parque Mayer, junto à Avenida da Liberdade, até à Rua da Escola Politécnica, e a proposta vencedora foi do arquitecto Manuel Aires Mateus. Até que ponto os planos para o pólo museológico da UL estão dependentes de este projecto avançar ou não?
O projecto "não intervém" directamente sobre o património da Universidade (Museus da Politécnica e vários outros edifícios que os rodeiam), explica o reitor. Com duas pequenas excepções: "a requalificação das casotas que existem à volta do Picadeiro, mas que correspondem a um espaço mínimo", e "a possibilidade de, no prolongamento da alameda das palmeiras, fazer um edifício que crie uma ligação com o parque de estacionamento em baixo". Esta última solução ajudaria a resolver aquele que é um dos principais problemas dos Museus da Politécnica: os acessos.
Mas se para todas estas questões em aberto - e que deverão ser resolvidas por uma comissão instaladora a criar em breve - António Nóvoa acredita que serão encontradas soluções relativamente consensuais, há um outro problema que o reitor considera o mais complicado: a falta de dinheiro. "O grande problema vai ser arranjar os fundos para investir a sério naquele espaço."
Para manter os museus a funcionar como estão actualmente - num "estado de sobrevivência" - a UL gasta anualmente três milhões de euros. "É uma verba que, para um orçamento como o nosso, é muito significativa. Retiramos um bocadinho a Direito, outro a Medicina, outro a Letras... Não temos tido apoio de ninguém. O Jardim Botânico custa fortunas em água e nunca tivemos qualquer apoio. Estamos sozinhos nesta batalha."
Apesar disso, Nóvoa acredita que a UL poderá continuar a dispor dessa soma todos os anos e que ela será suficiente para assegurar o funcionamento do novo museu, juntamente com algumas receitas próprias que este viesse a gerar e uma ou outra loja que abrisse no local. Mas deixa uma crítica: "Há uma forma de financiamento das universidades em Portugal que não considera o património nem os museus, contrariamente ao que acontece em países como o Reino Unido. E isso obviamente penaliza as universidades mais antigas, em primeiro lugar Coimbra, com todo o património histórico que tem que cuidar, mas também a UL."
Quanto aos trinta milhões, a Universidade põe a hipótese de "recorrer a empréstimos, associar outras entidades, fundações, a câmara municipal, o Governo, e ir buscar alguns fundos europeus, embora isso seja muito difícil no caso de Lisboa". Mas "tudo isto é curto", lamenta o reitor. "O plano de sustentabilidade de um museu a sério consegue-se. O nosso grande problema é onde vamos encontrar os trinta milhões." in Público, 10-10-2010
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