O reclamo que está no local não é o que foi licenciado, contra o parecer do Igespar, mas o que foi chumbado
Por José António Cerejo in Público
A Câmara de Lisboa aprovou uma coisa, mas o que lá está é outra, e bem diferente - algo que o Igespar e a própria autarquia haviam chumbado antes. Mais: aquilo que a câmara aprovou, com o pretexto de que o Igespar também o havia aprovado, foi, afinal, igualmente indeferido por este serviço do Ministério da Cultura. Mais ainda: uma responsável camarária apercebeu-se do logro e mandou abrir um processo de contra-ordenação, mas ele nunca foi por diante. O que lá está é um dispositivo publicitário de grandes dimensões, luminoso e rotativo, que anuncia a presença de um hotel de cinco estrelas. Lá - na cobertura do edifício que ocupa o gaveto da Rua do Salitre com a Rua Rodrigo da Fonseca, a poucas dezenas de metros do Jardim Botânico, monumento nacional.
Acabado de construir no início de 2010, o Hotel Vintage, propriedade da empresa Sycamore, do grupo Carlos Saraiva, foi de imediato dotado do reclamo que se mantém na sua cobertura e cujo pedido de licenciamento não tinha sequer entrado na câmara à data da sua colocação. Entregue em Maio de 2010, o pedido incluía uma certidão onde constavam os nomes de Margarida Magalhães e de Tomás Vasques como administradores da Sycamore. A primeira tinha sido vereadora do Urbanismo no tempo de João Soares, eleita pelo PS, e vereadora na oposição durante o mandato de Santana Lopes. O segundo ocupara o lugar de chefe de gabinete de João Soares e tinha sido igualmente vereador do PS no quadriénio seguinte.
Face ao projecto, que lhe foi enviado pelo município, o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), cujo parecer é vinculativo pelo facto de o edifício se situar na Zona de Protecção do Jardim Botânico, não hesitou em chumbá-lo. Logo de seguida, sem passar pela câmara, a empresa submeteu um novo projecto ao Igespar, que o voltou a reprovar em Agosto. Já em Outubro, e depois de ser informada pela autarquia de que o seu pedido de Maio ia ser indeferido, a Sycamore entregou um projecto alternativo, que enviou em simultâneo ao Igespar, e que previa um painel estático (não-rotativo) e mais pequeno. Ao mesmo tempo informou a câmara de que esta solução já tinha tido "aprovação informal" do Igespar, aguardando a "formalização do deferimento" por esse instituto.
Sem esperar pela resposta do Igespar e remetendo para o seu parecer inicial, que havia indeferido o primeiro projecto e nada tinha a ver com aquele que estava em apreciação, a câmara aprovou este último a 16 de Novembro. Oito dias depois, porém, o Igespar rejeitou o mesmo projecto, considerando que a única solução aceitável passaria não pela colocação do painel na cobertura, ainda que mais pequeno, mas pela sua colagem, sem o suporte de 1,5 metros em que ele assenta, na fachada do hotel.
Já em Fevereiro deste ano a câmara remeteu à Sycamore as guias para pagar, em 30 dias, as taxas devidas, mas no processo não há qualquer documento que prove o pagamento, tal como devia haver se ele tivesse sido feito. No mês seguinte a chefe da Divisão de Qualificação do Espaço Público, Rosália Moreira, mandou abrir um processo de contra-ordenação contra a Sycamore, considerando que o dispositivo instalado era ilegal. O despacho não diz porquê, mas a olho nu vê-se que o que lá está é o anúncio rotativo montado ilegalmente no início de 2010 e não o reclamo estático e mais pequeno licenciado nas circunstâncias descritas.
Rosália Moreira, que o PÚBLICO não conseguiu ontem contactar, deixou entretanto as funções que desempenhava e tudo indica que o processo de contra-ordenação nunca chegou a ser instaurado. Em contrapartida, os serviços de fiscalização municipal estiveram no local no fim de Agosto e atestaram, por escrito, que o reclamo está "em conformidade" com a licença emitida. O reclamo é o mesmo que lá está há quase dois anos e roda, roda, sem parar.
Nota da LAJB: pedimos por várias vezes à CML o desmonte desta estrutura ilegal mas em quase dois anos nenhuma acção foi tomada. Ficamos agora a saber que isso não aconteceu apenas por falta de vontade política.
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