quarta-feira, 31 de julho de 2013

Projectos de Loteamento de 4 Hospitais Civis de Lisboa: contributo da LAJB


Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Dr. António Costa
 
Projetos de Loteamento do Hospital Miguel Bombarda, Hospital de S. José, Hospital dos Capuchos e Hospital de Santa Marta em Lisboa
 
Participação da Associação “LIGA DOS AMIGOS DO JARDIM BOTÂNICO”
 
No âmbito da abertura da discussão pública relativa a quatro pedidos de informação prévia sobre a viabilidade da realização de quatro operações de loteamento nos hospitais da Colina de Sant’Ana – Hospital Miguel Bombarda, Hospital de São José, Hospital dos Capuchos e Hospital de Santa Marta, publicitada pela Câmara Municipal de Lisboa, a Liga dos Amigos do Jardim Botânico (LAJB) no cumprimento dos seus deveres enquanto associação cívica, considera que:
 
1-A escala dos sítios, a importância dos imóveis, e o facto de estarem em análise quatro projetos em simultâneo, não tem correspondência com o prazo de doze dias para os cidadãos se pronunciarem; doze dias é totalmente insuficiente, porque impossibilita logo à partida uma real participação e a defesa do bem comum; estamos perante uma transformação urbana inédita na história recente de Lisboa, seria pois uma grande irresponsabilidade decidir o futuro destes lugares em 12 dias.
 
2- No geral, a planeada transformação radical destes antigos 4 espaços conventuais reflete uma preocupante falta de consideração pelas pré-existências. Para além da preservação dos imóveis classificados, não é feito esforço significativo para integrar outras estruturas, adaptando-as a novas funções e usos. A lógica que guia as propostas é a de demolir tudo que não esteja classificado para assim cumprir com o objetivo primordial, e talvez único, da ESTAMO: fazer negócio de forma especulativa. Esta intenção de maximização dos terrenos não é escondida como facilmente se constata ao ler, por exemplo, a argumentação da autora do projeto para a demolição de estruturas arquitetónicas no Hospital de São José. No levantamento de dois interessantes edifícios da Arquitetura do Ferro, a antiga Central Térmica e a Lavandaria (1906), a sua destruição é justificada da seguinte forma:
 
«Considera-se que o relativo interesse arquitetónico deste conjunto industrial não justifica, por si só, a sua conservação. Uma vez que no estudo em curso se está a revelar a dificuldade de integração deste conjunto, propõe-se a sua demolição.»
 
Ou seja, é assumido que o projeto que a ESTAMO tem para este espaço é mais importante que a manutenção, restauro e adaptação a novos usos de edifícios que fazem parte integrante da história do lugar e que até se admite ter valor patrimonial. A palavra de ordem não parece ser a da sustentabilidade, reciclagem de edifícios, mas sim como conseguir libertar terrenos para novos edifícios – no caso da antiga cerca conventual de S. José são propostos 58.824m2 de construção nova. Não é esta lógica que esperamos ver aplicada numa cidade histórica na Europa como é Lisboa. Integração, reciclagem e reabilitação, deveriam orientar as propostas numa perspetiva de sustentabilidade ambiental, combinada com uma genuína apreciação e respeito pelas diversas realidades patrimoniais presentes (uma cozinha do séc. XIX é menos importante que um claustro do séc. XVII?).
 
Há uma clara ênfase na libertação de áreas de terreno das antigas cercas para criar oportunidades de construção nova. Para isso são sacrificados edifícios aparentemente menores e menos importantes, esquecendo que no caso de um “território hospitalar” cada peça conta uma história, e é o conjunto e não os “monumentos” isolados que constitui o valor destes territórios-cercas.
 
Um exemplo deste extremismo é o da proposta para o antigo Hospital Miguel Bombarda. Aqui se propõe a destruição de todos os equipamentos daquele único e raro complexo hospitalar do país, exceto 5 imóveis (3 deles protegidos por lei). O autor do projeto propõe, sem justificação, a demolição de edifícios notáveis como as Cozinhas (F1), a 1ª e 2ª Enfermarias/Cantina (E1), a 5ª e 6ª Enfermarias (E2), o Antigo Telheiro para passeio dos doentes (F1), as Oficinas (G1 e G2) e o Hospital de Dia (H1). Seriam removidos do conjunto um total de 16 imóveis, na sua grande maioria com interesse arquitetónico e histórico. Lembramos que muitos destes imóveis valem pelo seu conjunto pois exibem a lógica da medicina da época. Manter apenas 5 imóveis, isolados e descontextualizados, é apagar de forma brutal a história única deste sítio.
 
Notamos um tratamento um pouco antiquado dos imóveis classificados: parecem ser reduzidos a “monumentos”, objetos isolados – veja-se o caso do Pavilhão de Segurança onde se propõe um jardim e um lago na sua face poente. Mais importante do que embelezar a envolvente deste imóvel classificado seria manter os restantes equipamentos que lhe dão contexto. Em vez disso, e após demolição de um total de 16 edifícios, é proposto um brutal complexo de 6 torres de 12 andares. Os edifícios classificados ficam reduzidos a objetos decorativos, “enfeitando” o jardim do novo condomínio. Este mega edifício será o novo protagonista da antiga cerca conventual, um protagonismo conquistado por rotura com a longa História do Hospital Miguel Bombarda. Porque até o interior silencioso e perfeito do pátio circular no Pavilhão de Segurança será perturbado pela visão agressiva e desnecessária, das torres nº 3, 4, 5 e 6. Infelizmente não é apresentada nenhuma imagem/estudo que mostre o impacto negativo destas torres nos edifícios classificados.
 
3- As quatro propostas apresentam levantamentos patrimoniais e fotográficos claramente insuficientes do edificado existente e dos valores culturais dos lugares. Também mostram grandes inconsistências ao nível do investimento na caracterização e significação histórica dos sítios.
 
Por exemplo, a proposta para o Hospital Miguel Bombarda limita, inexplicavelmente, o levantamento fotográfico do local a uma página A4 com 7 imagens, não legendadas, ou seja omite deliberadamente a informação exaustiva sobre todos os edifícios. No caso de um cidadão que não conheça o sítio, como poderá elaborar uma opinião crítica e válida se a proposta da ESTAMO não fornece informação minimamente completa? Ainda neste projeto é de notar a chocante pobreza do «Enquadramento Histórico» na Memória Descritiva, reduzida também a uma página A4.
 
Se os restantes projetos parecem ter investido um pouco mais na caracterização histórica dos sítios, não podemos deixar de criticar o facto de não terem sido realizadas por profissionais independentes. Na verdade, em todos os projetos tais levantamentos/cronologias da História dos sítios não estão assinados por Historiadores mas sim pelas equipas de projetistas. É pois legítimo perguntar se é correto para a cidade e as gerações futuras, que a decisão sobre o que pode ou não ser demolido/construído fique a depender apenas da opinião de 4 arquitetos. Tamanha responsabilidade não pode, nem deve, ficar nas mãos de apenas um dos técnicos intervenientes neste processo. É essencial consultar Historiadores independentes, o ICOMOS e a ICOM, por exemplo.
 
4- Outra prova da falta de estudo e reflexão sobre o tema da integração dos edifícios existentes, independentemente da época de construção e de estarem classificados ou não, é o facto de não se apresentarem ideias coerentes para a sua futura ocupação – para além do fácil e já banal “hotel de charme”.
 
Com o encerramento destes hospitais a cidade está na iminência de perder milhares de postos de trabalho no centro histórico (com todos os pequenos negócios que durante décadas e até séculos se desenvolveram na sua envolvência) e tudo o que a ESTAMO parece imaginar é um cenário de habitação (que tudo indica será de luxo), hotéis de charme e pouco mais. Será este um cenário realista e desejável? Ou meramente especulativo e nefasto? Com o parque habitacional da cidade histórica a precisar de urgente investimento na reabilitação, e a diminuição da população nacional, não nos parece de todo viável nem aconselhável investir na demolição massiva de edifícios, únicos e recuperáveis, seguida de milhares de m2 de construção nova.
 
A regeneração urbanística da Colina de Sant’Ana talvez deva passar mais por uma estratégia de transferência de instituições culturais para estes antigos espaços conventuais/hospitalares. Por exemplo, porque não se equaciona a fundação do grande Arquivo Municipal no Hospital de São José? E em vez da construção de um novo edifício para a Biblioteca Municipal Central porque não pensar num antigo convento-hospital como se tem feito noutras cidades europeias? Universidades e Museus Nacionais, alguns deles ainda mal instalados, poderiam também habitar de forma bem mais sensível estes antigos complexos conventuais/hospitalares.
 
5- Na generalidade, com exceção da proposta para o Hospital de Santa Marta, as zonas verdes são praticamente assumidas como espaços verdes de enquadramento das novas construções ou dos imóveis classificados. De facto, apenas no projeto para Santa Marta se nota um esforço claro de recuperar os “vazios” da antiga cerca conventual, devolvendo assim à cidade uma grande zona de solo permeável e amplamente arborizada. Aplaudimos esta referência à memória da fundação conventual do lugar, com oportunas vantagens e relevância para a cidade do presente e os seus desafios ambientais.
 
Nos restantes projetos impera uma solução do tipo “urbanização” das cercas conventuais ocupando as sobras com espaços verdes. Estamos totalmente contra esta opção uma vez que não só faz tábua rasa dos vários níveis culturais que ao longo dos séculos se foram instalando mas também porque acaba por uniformizar, urbanisticamente, estas antigas cercas. Estes espaços fechados, cercados por altos muros e povoados por diversos edifícios de diferentes períodos históricos, estão agora em risco de se transformarem em novas áreas de ocupação urbana, com soluções do tipo quarteirões/edifícios. O sentido de cerca fica comprometido. Um exemplo desta “banalização” do espaço é a proposta para a cerca do Hospital de S. José onde se propõem cerca de 6 novos edifícios de grande massa para a área da antiga cerca conventual. Embora a cércea não ultrapasse a do antigo hospital, a excessiva volumetria compete claramente com a do hospital, retirando-lhe a proeminência e destaque que nos parece ser essencial manter e assegurar.
 
De igual forma, mas levado ao extremo, são as 6 torres de habitação de implantação violenta no coração da cerca do Hospital Miguel bombarda. Os novos edifícios não deveriam competir desta forma, um pouco desleal, com as pré-existências históricas.
 
A nosso ver a raiz do problema é que a ESTAMO não vê estes espaços como algo a tocar com mão leve e delicada, mas sim como áreas a lotear, a urbanizar.
 
Com o encerramento destas 4 unidades hospitalares, podemos recuperar espaço livre, com solos permeáveis e arborizados. Esta é de facto a última oportunidade que a capital tem de criar facilmente novas zonas verdes em pleno centro histórico, devolver os “vazios” tão essenciais a uma boa qualidade de vida urbana. Nunca é demais chamar atenção para esta oportunidade única que se oferece a Lisboa.
 
EM CONCLUSÃO
 
É bom recordar que todos estes espaços estiveram durante séculos ao serviço das pessoas, numa lógica do bem comum. Esta tradição deve ter continuidade. Mas para que possam servir o bem comum e as gerações futuras é necessário trabalhar com os lugares e não contra os lugares. Reciclar estruturas e não destruí-las. Acarinhar os testemunhos deixados pelos nossos antepassados.
 
O que é único e especial nestes espaços hospitalares é precisamente o se ter sabido adaptar para novas funções, sem destruir irreversivelmente, as cercas conventuais. Também é verdade que com o séc. XX, principalmente na segunda metade, se fizeram obras e construções em excesso, já sem grande respeito ou sensibilidade pelo património. Mas Lisboa tem agora a oportunidade de pensar bem, escolher bem, fazer bem - porque hoje a nossa grande vantagem é de sermos capazes de tomar decisões mais bem informadas. Ora é isso que no fundo falta nestas propostas: informação. Essa falha é devida em grande parte ao promotor destes projetos e menos aos arquitetos que afinal deram resposta ao programa da ESTAMO.
 
Concluimos pois que os presentes PIPs não reúnem condições para serem aprovados.
 
A LAJB solicita à CML uma promoção de facto do debate alargado e reflexão mais profunda sobre estes importantíssimos lugares históricos da nossa cidade. Porque o que vemos nestas quatro propostas é ainda demasiado pobre, banal e peca pela pouca ambição do bem comum. Lisboa merece muito mais e melhor.
 
Liga dos Amigos do Jardim Botânico
12 de Julho de 2013

Foto: Hospital de Santa Marta, fachada principal - antigo convento de Santa Marta, Armando Serôdio, 1968, Arquivo Municipal de Lisboa,  

1 comentário:

Anónimo disse...

Olà a todos! Sou uma estudante de arquitetura da italia e fazei o erasmus em lisboa! gostei demasiado da vossa cidade e escolhei o hospital miguel bombarda para o meu trabalho de fim de mestrado. Vai ser uma alternativa menos invasiva para insediar 600 pessoas deixando o patrimonio arquitetonico de valor invariado. Se tem conselhos ou curiosidades podem contatar-me à mail roberta_t_@hotmail.it
Até ja