Hoje é dia de festa para o jardim do Castelo de São Jorge, que comemora este ano meio século de existência. A data do aniversário é simbólica - nesta segunda-feira assinala-se o Dia da Floresta Autóctone, o que serve como uma luva aos jardins que Gonçalo Ribeiro Telles e Pulido Garcia desenharam em 1959.
Para Ribeiro Telles, o que se vê hoje respeita, em grande parte, o projecto inicial
Aniversário é também sinónimo de prendas. Para o jardim, e para quem o visita. Ao primeiro serão acrescentadas hoje algumas árvores. Para quem procura aquele espaço, há projectos que prometem melhorar a visita. Teresa Oliveira, responsável da Em-presa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural de Lisboa (EGEAC) e gestora do castelo, adianta que esta empresa municipal está a desenvolver um projecto com o Jardim Botânico de Lisboa para realizar "visitas conjuntas". A ideia é levar os visitantes do castelo até ao jardim botânico, onde se encontram espécies diferentes das dos jardins do monumento.
Para o castelo lisboeta e para os seus jardins, é importante agora "repor coisas que, com o tempo, se foram alterando". Teresa Oliveira dá a entender que se está a repensar todo o jardim. E o fio condutor dessa reflexão resume-se num regresso às origens. Pretende-se "ir de encontro àquilo que foi o projecto" inicial, concebido há meio século. E "melhorar algumas coisas que se foram perdendo". Esta reflexão, acrescenta Teresa Oliveira, será feita com quem concebeu o próprio espaço.
Um milhão de visitantes
"Este jardim do castelo tem também uma importância como ponto de referência de toda a cidade", reforça Ribeiro Telles, lamentando que a construção desenfreada de edifícios de grande altura estejam a tapar gradualmente este conjunto de património arquitectónico e natural.
"Este jardim do castelo tem também uma importância como ponto de referência de toda a cidade", reforça Ribeiro Telles, lamentando que a construção desenfreada de edifícios de grande altura estejam a tapar gradualmente este conjunto de património arquitectónico e natural.
Entre pinheiros-mansos, sobreiros, alfarrobeiras, ciprestes, loureiros e medronheiros, para além das oliveiras milenares, o castelo situado na mais alta colina de Lisboa tem por companhia centenas de árvores, arbustos e ervas da flora nacional. Daí que, quando se pensou em celebrar o 50.º aniversário, se escolheu o Dia da Floresta Autóctone. Por ano, este monumento nacional recebe um milhão de visitantes e ninguém ficará indiferente aos espaços ajardinados que foram pensados de forma a enquadrar o monumento, mas também para oferecer aos visitantes zonas de lazer de elevado conforto ambiental, explica Ribeiro Telles, que se reencontrou com este "filho" a convite do PÚBLICO. Meio século de vida justifica um balanço e a tal reflexão sobre o futuro. E foi precisamente isso que o PÚBLICO propôs a Ribeiro Telles. O outro projectista, Pulido Garcia, engenheiro agrónomo e silvicultor da Câmara Municipal de Lisboa, faleceu em 1983.
O jardim do castelo é um dos primeiros trabalhos de arquitectura paisagista feitos em Portugal. Aquela profissão surgiu no país no início da década de 1940. "Foi uma inovação no mundo mediterrâneo", assinala Ribeiro Telles, salientando que este espaço verde é contemporâneo de outros, como os jardins de Belém, a paisagem do Alto da Capela de São Jerónimo e a mata de Alvalade. Foram "das primeiras intervenções contra todo um modelo instalado de jardim", sublinha o arquitecto, lembrando que não se quis fazer "um jardim no castelo", mas sim "integrar o jardim numa paisagem", de forma harmoniosa. Dada a grande ligação do castelo à própria cidade de Lisboa, era importante que houvesse "harmonia com o que está de fora", prossegue. O desenho posto em prática foi fruto de uma causa: "criar uma paisagem" que se pudesse observar de diversos pontos da cidade, desde o Bairro Alto ao Parque Eduardo VII.
Rever o que existe
O arquitecto considera que aquilo que hoje em dia se vê respeita, em grande parte, a ideia original. Todavia, adverte para a necessidade de uma revisão, pedindo que haja um maior acompanhamento da flora, "até para que não se destrua a ideia" inicial.
O arquitecto considera que aquilo que hoje em dia se vê respeita, em grande parte, a ideia original. Todavia, adverte para a necessidade de uma revisão, pedindo que haja um maior acompanhamento da flora, "até para que não se destrua a ideia" inicial.
Há árvores com 50 anos e deve pensar-se "no que vem a seguir", observa o arquitecto. É preciso ver que ali há "vida que se regenera, que a paisagem não é estática". "Não é uma obra que tenha fim", explica. "A vegetação precisava de ser vista, os arbustos cresceram e foram mal podados", continua, alertando para a necessidade de se plantarem novos pinheiros, mais baixos, para garantir a substituição dos mais antigos, que daqui a alguns anos estarão mortos.
Ribeiro Telles não gosta de alguns canteiros de pedra que, entretanto, foram construídos. Considera que não têm qualquer utilidade, nem embelezam o monumento.
Já no interior do castelo, existe um grande espaço que está igual ao projecto inicial. Não se vê nenhum canteiro dos que tanto desagradam ao arquitecto, e os próprios bancos de pedra que ali se encontram fazem parte do desenho original. E esses, ao contrário dos canteiros, têm utilidade.
Sustentabilidade
Perto da zona dos bancos de pedra, pode observar-se no chão uma pequena porção de relva que parece ter crescido ali de forma espontânea. Ribeiro Telles conta que "estava previsto que aparecesse sempre aquele relvado", de grande simplicidade, característica muito importante no desenho destes jardins.
Perto da zona dos bancos de pedra, pode observar-se no chão uma pequena porção de relva que parece ter crescido ali de forma espontânea. Ribeiro Telles conta que "estava previsto que aparecesse sempre aquele relvado", de grande simplicidade, característica muito importante no desenho destes jardins.
Junto ao poço do monumento, encontram-se algumas árvores de fruto. Estão ali como "memória" da antiga horta do castelo, explica Ribeiro Telles, que só a custo gosta que se trate o espaço como um jardim. Prefere e insiste em utilizar o termo paisagem. O que se pretendeu criar ali são "cenários, que lembrem o que isto foi no passado e, ao mesmo tempo, que sirvam para algo hoje", explica o arquitecto. No caso do castelo e dos seus jardins, o desenho "não tem de ser forte", continua. Deve ser simples, relembrando a função que passou e, ao mesmo tempo, tirando "proveito das estruturas em termos estéticos".Além disso, toda a vegetação envolvente exerce uma outra função. "À volta do castelo é tudo jardins" e estes "são fundamentais para a sustentabilidade do castelo", explica Ribeiro Telles, assinalando que "a chuva cai aqui e é absorvida graças à vegetação". "Caso contrário, criar-se-iam "enormes caudais" de água que poderiam ser um perigo para a própria colina.Antigamente, não existiam árvores nem dentro nem fora das muralhas. Quando o castelo era uma fortaleza à espera de ser conquistada, não convinha nada ajudar o inimigo disponibilizando-lhe algo que lhe permitisse trepar, facilitando-lhe a invasão. "Só quando o castelo deixou de ter função e passou a ter a função de memória é que apareceu a vegetação", recorda.
Quando se percorre o corredor junto às muralhas, onde estão muitas espécies da flora tradicional da região, eis que se chega à parte "principal" do que o arquitecto projectou. São uma série de plataformas, que funcionam como uma espécie de degraus. "O objectivo é descer em direcção à vista que se tem sobre o Tejo."
Acompanhe o reencontro do arquitecto Ribeiro Telles com a sua obra do jardim do Castelo de São Jorge no canal de vídeos do PÚBLICO. in Público
FOTO: o Jardim Botânico visto do Castelo de São Jorge
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