sábado, 14 de agosto de 2010

«Estacionamento ameaça liquidar horta popular»


Há mais de dez anos que um terreno camarário no bairro da Graça, em Lisboa, tem sido aproveitado por alguns populares para plantação de legumes. Mas há quem queira deitar tudo abaixo e construir ali um parque de estacionamento. A polémica está instalada.

O terreno em causa situa-se numa encosta junto ao cruzamento da Calçada do Monte com a rua Damasceno Monteiro, a cerca de uma centena de metros do Largo da Graça. É uma encosta onde o sol bate várias horas por dia, com três pinheiros mansos e duas oliveiras. Há mais de uma década que idosos do bairro da Mouraria – ali a poucos metros – aproveitam o pedaço de terra para fazerem uma pequena horta. Mais recentemente, jovens do Grupo de Acção e Intervenção Ambiental (Gaia), tomaram a iniciativa de colaborar com os populares e começaram, também eles, a plantar legumes vários.

Alguns moradores, todavia, parecem não gostar da ideia. “Aquilo é um mictório para levarem os cães”, diz José António, aposentado de 60 anos, que se mostrou bastante céptico com a utilidade da horta. “É uma brincadeira de meia dúzia de putos”, defendeu José António, comentando que “não se faz um cozido à portuguesa com as couves que lá estão”. Na sua óptica, o terreno devia ser utilizado para “um parque de estacionamento”. Tal opinião é corroborada pela proprietária de uma loja de têxteis situada a escassos metros do terreno. Maria de Fátima, 51 anos, admite que costuma lá ver “jovens que limpam o lixo que as pessoas lá metem” mas também defende a reconversão do espaço em estacionamento.

Já Gualter Baptista, investigador em Economia Ecológica na Faculdade de Ciências e Tecnologia, solta uma gargalhada quando ouve falar em parque de estacionamento no local, um espaço verde com magnífica uma vista panorâmica para a Baixa e o Tejo. “Naturalmente há pessoas que tem um sentido mais utilitarista e que querem estacionar o carro à porta de casa mas penso que Lisboa tem muitos mais lugares de estacionamento do que espaços verdes para os seus cidadãos”, afirma.

O investigador em economia ecológica admite que a horta nem sempre tem o melhor aspecto mas lembra que “somos um país com um défice hídrico muito elevado no Verão e é normal que a paisagem agora fique amarela”. Ressalva, porém, que há alturas do ano em que naquela horta “está tudo verde e arranjado”. "É um espaço que é dado aos cidadãos do bairro para que possam usufruir de forma activa”, afirma, sublinhando que ali existem casos de pessoas “necessitam da agricultura para sustentar as suas necessidades mais básicas e em tempos de crise, isso é importante”.

A opinião é confirmada por uma moradora da zona, Cátia Fernandes, de 33 anos. “Os agricultores são idosos da Mouraria que por vezes tem na horta a única fonte de legumes frescos, a par de jovens ambientalistas”, diz ao JN. Aliás, segundo este testemunho, “a horta devia ser incentivada pela própria Câmara e pelas Juntas de Freguesia”.

In Jornal de Notícias (12/8/2010)

Nota: A LAJB lamenta que a nossa cidade ainda tenha esta atitude mercantilista perante os espaços públicos livres; este modelo, quase obsessivo, de impermeabilizar os solos disponíveis para a construção de silos ou caves de estacionamento pertence ao passado. Lisboa já possui um grande número de praças e largos históricos completamente artificializados por via do estacionamento subterrâneo (ex: Praça da Figueira). É tempo de mudar para o paradigma da sustentabilidade - o do respeito efectivo pelo Ambiente.

Foto: Horta na sede da Junta de Freguesia da Graça

6 comentários:

Marcos disse...

Boas,

sou uma das pessoas que participa na horta popular da Mouraria, cuja presença na internet está em
http://horta-popular.blogspot.com/

Gostaria de deixar uma correcção e mais algumas informações. No terreno em apreço houve hortas, mas há cerca de 10 anos que estava inculto (abandonado), segundo nos disse a vizinhança, quando em 2007 decidimos lá çomeçar a fazer a horta popular.
O objectivo é a reutilização dos muitos materiais que se encontram na rua, para fazer socalcos, caminhos e mobiliário urbano. Por três vezes colocámos baloiços para as crianças, colocámos mesas e bancos para que as pessoas pudessem desfrutar da paisagem, do pôr-do-sol e fazer piqueniques. Colocámos placas pedagógicas para identificação das culturas, para que as crianças do bairro pudessem aprender a reconhecer as diversas plantas.
Lamentavelmente, baloiços, mesas e bancos foram sistematicamente vandalizados, o que torna difícil a manutenção do espaço por pessoas voluntárias.
Gostava de ver a horta bem mais bonita, mas isso depende de toda a gente. Se as pessoas da Mouraria de facto quiserem ter ali um espaço verde para desfrutarem, assim será.
Quanto às couves (e outros vegetais) são utilizadas muitas vezes em muitas refeições, incluindo nos jantares populares do Grupo Desportivo da Mouraria, que todas as semanas tinha de 70 a 100 pessoas a comer. Pena é que as pessoas gostem de falar sem conhecimento de causa.

Cumprimentos

Marcos Pais

Marcos disse...

Faltou dizer algo directamente relacionado com o putativo parque de estacionamento. Na calçada do monte, adjacente à horta popular, é comum existirem vários lugares de estacionamento vagos, pelo que a falta de estacionamento não será razão para a construção do silo, excepto no caso em que com a construção do silo o estacionamento abusivo que se verifica em partes da Rua Damasceno Monteiro seja erradicado. Mas a praça do quartel da Graça poderia ser também um local de estacionamento, pois para tal tem potencialidade, sem que fosse preciso destruir um dos pouco espaços verdes do bairro da Mouraria.

Amigos do Jardim Botânico disse...

Caro Marcos Pais,

Muito obrigado pelos esclarecimentos que nos enviou.

Gostariamos de aproveitar esta oportunidade para sublinhar uma vez mais o nosso apoio às hortas urbanas em Lisboa.

Iremos publicar os seus comentários no nosso blog - será que nos poderia enviar algumas imagens da horta?

Quanto ao que refere sobre o estacionamento, concordamos consigo. Lisboa tem de mudar de paradigma e deixar de insistir na ideia obsoleta de que cada cidadão tem - ou terá - uma viatura de transporte particular como base da sua mobilidade. Esta ideia ainda perdura na mentalidade de muitos autarcas e governantes do nosso país. O futuro passará pelo desenvolvimento dos transportes colectivos assim como uma alteração radical na área do planeamento urbano. Temos de mudar o actual estilo de vida.

Marcos Pais disse...

Poderei enviar-vos algumas fotos, mas serão antigas, nestas semanas mais recentes não tirei nenhuma.
Também poderão ir ao blog e escolher as fotos que mais vos agradarem, até porque essas já estão comprimidas e pesam menos no blog.

Se quiserem poderei alinhavar um texto mais estruturado, com a história e ideias por detrás da horta popular, bem como com as dificuldade e os desafios que temos enfrentado nestes já mais de três anos, muitos já expostos no meu comentário. Qualquer coisa mais, envio para o vosso email aqui do blog, pode ser?

Cumprimentos

Amigos do Jardim Botânico disse...

Caro Marcos Pais,

Gostariamos muito de publicar aqui esse texto sobre o vosso projecto. Pode enviar para o seguinte endereço electrónico: amigosdobotanico@gmail.com

Cumprimentos

Sandra disse...

Estas hortas "expontâneas" que surgiram na colina da Graça devem merecer todo o apoio possível da câmara municipal e da junta de freguesia. Iniciativas desta natureza em Lisboa são muito raras e por isso particularmente merecedoras de todo o nosso apoio. Agora destruir mais um terreno para arrumar carros, isso é que não pode ser!