Vereador garante ser a primeira vez que a câmara aposta mesmo nos quintais e que está disposta a criar um local de venda para os hortelões
A Câmara Municipal de Lisboa diz que vai avançar, "nos próximos meses", com uma intervenção nos cerca de 15 hectares de hortas do vale de Chelas, com o objectivo de assegurar o fornecimento de água e reordenar o espaço através da criação de caminhos pedonais de acesso. Mas o plano da autarquia é mais ambicioso e inclui, num prazo de dois anos, a criação de hortas em Campolide e Telheiras, e que tentará melhorar os espaços já existentes na Quinta da Granja, Vale Fundão e Bairro Padre Cruz.
A Associação Portuguesa de Arquitectos Paisagistas promoveu recentemente um encontro nas hortas da zona de Chelas, onde os visitantes se depararam, "num vale cortado por dois edifícios escandalosos - um hipermercado e uma escola - que cortam a circulação de água" pelos terrenos, com "um interessante mosaico de culturas, conjugando uma produção de espécies hortícolas com algumas plantas ornamentais".
A descrição foi feita pela presidente daquela associação, Margarida Cancela d'Abreu, dizendo ao PÚBLICO que aquelas hortas são mantidas por residentes dos prédios vizinhos, "na maioria reformados", que cultivam produtos agrícolas para autoconsumo, mas também como forma de "entretém". Um dos principais problemas sentidos é o do acesso à água, recorrendo os hortelões ao expediente de a armazenar em "depósitos extraordinários" como "arcas frigoríficas e barricas", tidos como a única forma de aproveitar a água da chuva, como constatou no local Margarida Cancela d'Abreu. A Câmara Municipal de Lisboa conhece esta realidade e, segundo o vereador do Ambiente, Espaços Verdes e Plano Verde, vai resolver o problema "nos próximos meses", criando além disso caminhos pedonais. No futuro, a ideia de José Sá Fernandes é que as hortas de Chelas venham a acolher, numa ponte a unir os dois lados do vale, um mercado onde quem cultiva a terra possa vender a sua produção.
Prática comum
Esta é, aliás, uma prática comum em vários locais do globo (como Chicago ou Londres), mas pouco vista num país que, lamenta o arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, "ignora pura e simplesmente as hortas" e a sua importância para as comunidades. A colega de profissão Margarida Cancela d'Abreu conta que uma das excepções ocorre em Évora, onde aos sábados e domingos há bancadas de madeira à porta do mercado para os "quintaneiros" que cultivam hortas à volta da cidade e que ali comercializam os seus produtos, por sinal muito procurados.
Os projectos da Câmara de Lisboa, que o vereador Sá Fernandes acredita que poderão estar concluídos nos próximos dois anos, incluem também a criação de um parque urbano que integrará as hortas já existentes na Quinta da Granja de Baixo, em Benfica. Em Campolide, a ideia é criar hortas que serão atribuídas por concurso a moradores da zona, surgindo também áreas para produção hortícola em Telheiras, num terreno ainda a negociar com a EPUL.
Escola de Lisboa tem terreno cultivado por centenas de mãos
Na Escola 34, na Alta de Lisboa, ao Lumiar, onde estudam 330 crianças com idades entre os três e os 14 anos, houve em tempos um matagal que deu lugar a uma horta, que rapidamente se transformou na menina-dos-olhos dos professores, auxiliares e alunos. Num terreno lavrado e cultivado por muitas mãos, na Alta de Lisboa, crescem couves, favas, feijões, ervilhas, batatas, cebolas, cenouras, pepinos, pimentos e outras espécies hortícolas.
No ano lectivo passado, as abóboras transformaram-se num doce que foi comido com tostas por todos os alunos, junto de quem se tenta, através do projecto da horta, promover uma alimentação mais saudável. É por isso que para este ano lectivo estão reservadas para a festa do dia das bruxas. Os pais contribuíram para a plantação com sementes e plantas, e são também eles os principais clientes compradores dos produtos que os alunos vendem à porta da escola sempre que há colheitas.
Também naquele bairro da Alta de Lisboa poderá nascer nos próximos tempos uma outra horta, esta comunitária, sonhada pelo morador e arquitecto paisagista Jorge Cancela, que tem vindo a recrutar futuros hortelões. O mentor da ideia adianta já que conseguiu convencer "mais de 40" e precisa que vai tentando tentar reunir o maior número de apoios para o projecto, incluindo o necessário terreno.
Uma das ambições desta horta comunitária é aproximar os moradores realojados naquela zona da cidade dos que lá compraram casa, contribuindo para uma maior harmonia entre este "mix social" e para o aumento do sentimento de pertença dos próprios ao todo da comunidade. A produção, explica o arquitecto paisagista Jorge Cancela, será biológica e a zona a cultivar terá que ter "um acesso relativamente fácil, seja de automóvel, seja pedonal", além de fornecimento de água e uma vedação.
O projecto e a eventual cedência de um terreno por parte da Câmara Municipal de Lisboa já estão a ser analisados pelos serviços da autarquia, garante aquele arquitecto paisagista.No mesmo sentido, e segundo a Câmara Municipal de Lisboa, que aponta os exemplos das hortas no Vale Fundão e no Bairro Padre Cruz, o desafio da autarquia é intervir nas hortas comunitárias já existentes, algumas das quais em espaços privados e que não têm fornecimento de água ou acessos em condições, garantindo que nenhum dos hortelões deixa de ter um espaço de cultivo."É a primeira vez que a câmara aposta mesmo nas hortas", garante Sá Fernandes, acrescentando que "antigamente" a prática era simplesmente "fechar os olhos" e ir permitindo a sua existência. in Público, 25.05.2009
FOTO: canteiro pedagógico, com alfaces, no New York Botanical Garden