Exmo. Sr. Presidente da CML,
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico (LAJB) e a Associação Lisboa Verde (ALV)
Vem apresentar junto de V. Exa., ao abrigo do artigo 77.º n.º3 do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, no âmbito do período de Participação Pública do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina, as seguintes observações, reclamações e sugestões:
1-Introdução:
Embora a intenção deste Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina (PPSBP) seja a de promover e garantir uma reabilitação integrada, qualificada e sustentável desta zona histórica central da cidade, a redacção do texto está demasiado centrada nas questões de regulamento e licenciamento de operações urbanísticas. É notória a grande desproporção entre os capítulos e artigos dedicados às operações urbanísticas em imóveis privados e aqueles que dizem respeito ao bem comum, como por exemplo, Espaço Público, Espaços Verdes, Espaços Culturais, Transporte Colectivo e Sustentabilidade Ambiental. Na opinião da LAJB e da ALV o Plano de Pormenor deve desenvolver melhor o seguinte:
2-Medidas de salvaguarda das especificidades patrimoniais da Baixa pombalina
Em vários pontos o texto do PPSBP assemelha-se demasiado aos regulamentos para as operações urbanísticas convencionais. Por exemplo, nos imóveis que já não possuem a sua estrutura de gaiola ou esta não é recuperável, é proposto que não seja obrigatório a reconstrução de nova estrutura em gaiola ainda que numa versão devidamente actualizada. Esta hipótese afigura-se demasiado perigosa considerando que Lisboa não tem ainda uma cultura de reabilitação e conservação do património arquitectónico. O sector imobiliário português é muito insustentável pois prefere claramente a construção nova à reabilitação como provam as estatísticas. A Baixa corre o risco de ficar vítima da promoção imobiliária que apenas pretende desenvolver projectos de construção nova atrás de fachadas pombalinas. Este risco é real, bastando contabilizar a rápida perda de interiores pombalinos a que temos assistido nos últimos anos no Chiado. Na base das demolições integrais dos interiores do Chiado está uma cultura instalada de desprezo das técnicas de construção em madeira.
Falta ao texto deste PPSBP a valorização da madeira enquanto material de construção sustentável, de qualidade e apto a responder às expectativas de projectos imobiliários contemporâneos. Ao demitir-se de exigir a reconstrução estrutural em madeira, a CML corre o risco de, indirectamente, apoiar a destruição do rico património de engenharia de estruturas contido na Baixa pombalina. Porque para cumprir objectivos estritamente lucrativos bastará aos proprietários aguardar pela degradação irreversível da gaiola pombalina para erguerem mais construção nova com a redutora manutenção de fachada.
Ao possibilitar a reconstrução de imóveis em estrutura de betão armado a CML estará a contribuir para a progressiva erosão dos conteúdos patrimoniais que são a base de sustentação não só da Baixa enquanto Monumento Nacional como a futura candidatura a Património Mundial da Humanidade.
Na perspectiva de um planeamento urbano e de edificações sustentáveis, a manutenção e promoção de edifícios já construídos é a solução mais ecológica e sustentável. A demolição de uma gaiola pombalina e a sua substituição por uma estrutura em betão armado terá sempre uma pegada ecológica muito superior à do restauro. Uma construção já existente é sempre mais “verde” que uma construção nova.
3-Medidas para uma Estratégia Ambiental na Baixa Pombalina
Notamos uma grande desproporção entre os capítulos e artigos dedicados às regras de intervenção no edificado – o domínio privado - e aqueles que dizem respeito ao bem comum, como por exemplo o Espaço Público e o Ambiente.
Aplaudimos o artigo de protecção das espécies vegetais existentes na Baixa assim como o artigo onde se expressa a intenção de promover a mobilidade suave. Mas estes dois artigos são insuficientes para se poder afirmar que o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina tem uma Estratégia Ambiental clara e definida. Compreendemos que a redacção do Plano de Pormenor tenta responder, acima de tudo, às expectativas do sector imobiliário pois é concebido como o grande motor da reabilitação da Baixa pombalina. Mas é com certeza justo que os cidadãos também vejam neste PPSBP a devida identificação de todos os elementos constituintes do Espaço Público da Baixa pombalina assim como as regras para futuras intervenções. Porque a Baixa não é só construção degradada a pedir reabilitação urgente. A Baixa incluiu outras realidades como arruamentos com baixos níveis de conforto ambiental e mobiliário urbano dissonante. É pois particularmente importante garantir que as regras de intervenção no Espaço Público estejam igualmente desenvolvidas e presentes na redacção final do PPSBP:
3.1-Estrutura Verde para a Baixa pombalina
Há factores diversos que contribuem para a falta de qualidade ambiental da Baixa, nomeadamente históricos e contemporâneos. Considerando que:
-Lisboa é uma das capitais da Europa com menos metros quadrados de espaços verdes por habitante e a Baixa é um dos bairros da capital com maior deficit de árvores e espaços verdes.
-O desenho pombalino dos quarteirões da Baixa tem saguões insalubres, muito pequenos e estreitos onde não é praticamente possível criar jardins convencionais;
-A impermeabilização maciça que foi feita nos últimos anos em praças através da abertura de caves para estacionamento inviabilizou a arborização de espaços públicos de referência como a Praça da Figueira e a Praça dos Restauradores (onde são registadas temperaturas muito elevadas que comprometem os objectivos de uma reabilitação urbana sustentável).
-O sucesso da requalificação do Rossio depende em grande parte do plano coerente de arborização implementado em 2000. Dez anos passados o Rossio apresenta passeios largos e consistentemente arborizados, onde é confortável a estadia.
-O fracasso da remodelação da Praça da Figueira está relacionado com a impossibilidade de se implementar um plano de arborização coerente devido à remoção maciça de solo para a construção do estacionamento subterrâneo. Parte da decadência desta praça é fruto do baixo nível de Conforto Ambiental, uma consequência do grande deficit de árvores.
-A circulação do ar na Baixa é dificultada pela sua malha urbana apertada e localização num vale cercado por três colinas;
-A Baixa regista um atravessamento significativo de viaturas automóveis com consequente acumular de emissões poluentes e temperatura;
A LAJB e a ALV propõem:
-Que se dê particular importância aos pavimentos das zonas públicas, como arruamentos e o interior de saguões. Para compensar a grande área de solos impermeabilizada, resultante do próprio plano de reconstrução pombalino que por natureza apresenta uma elevada densidade de construção, deve ser obrigatório o uso de materiais permeáveis na pavimentação de arruamentos e saguões, para facilitar a infiltração e retenção de águas pluviais essenciais à própria sobrevivência do edificado pombalino;
-Que faça parte deste PP um plano geral de arborização que identifique os arruamentos onde é viável e aconselhável a implementação de alinhamentos de árvores. Os arruamentos arborizados são importantíssimos pois asseguram e reforçam a continuidade da estrutura ecológica existente. Há ruas onde é possível a plantação de árvores de copa pequena para não comprometer a leitura dos alçados pombalinos da Baixa. Um dos arruamentos que reúne condições ideais é a Rua do Comércio que por ser mais larga e por constituir uma ligação directa entre dois espaços públicos de referência – Praça do Município e Campo das Cebolas – tem grande potencial para ser transformada em corredor verde de atravessamento pedonal na Baixa. E como de acordo com o mapa do novo plano de circulação viária este arruamento passará a receber mais tráfego automóvel é essencial pensar na sua arborização para mitigar o novo acréscimo de poluição;
-Apesar das dificuldades impostas pela impermeabilização provocada pelo estacionamento subterrâneo, poder-se-ia dotar as praças dos Restauradores, da Figueira e do Município de áreas ajardinadas, recorrendo à plantação de espécies xerofíticas, nomeadamente da flora autóctone. A flora autóctone em zonas áridas é habitualmente de pequeno porte, necessitando de pouca água e resistente ao calor e exposição solar. A estratégia ambiental a implementar deve procurar soluções adaptativas, ou seja, se os arruamentos não contemplam árvores devido à sua impermeabilização, devem ser implementadas soluções "verdes” para mitigar esta realidade urbana que herdámos.
-Que se equacionem regras que visem a melhoria ambiental dos saguões insalubres, nomeadamente através de soluções criativas como “Jardins Verticais” para os saguões muito estreitos e altos ou “Micro Jardins” para usufruto de moradores dos imóveis que definem saguões de dimensões mais generosas;
-Para além de declarar a intenção de proteger as árvores notáveis existentes na Baixa, é essencial identificar devidamente esses exemplares do património natural. Tal como foi feito um inventário das lojas da Baixa a preservar, apelamos para que seja feito um levantamento das espécies vegetais e que esse inventário faça parte da redacção final do PPSBP. Nunca é de mais sublinhar o importantíssimo papel das árvores em contexto urbano na melhoria do próprio desempenho energético dos edifícios. A presença efectiva de plantas no PPSBP deve ser entendido no contexto da racionalização de recursos naturais e energéticos.
3.2-Mobiliário Urbano (iluminação pública, Fontes e outros equipamentos)
Considerando que:
-A Baixa contém um conjunto de mobiliário urbano dos mais ricos e únicos da capital, onde se incluem peças desenhadas exclusivamente para os seus arruamentos (ex: consolas de iluminação);
-A grande maioria dos espaços públicos da Baixa são muito áridos e pouco atraentes devido à falta de árvores e de fontes, essenciais para arrefecer e humidificar o ar;
-A Baixa perdeu quase a totalidade dos quiosques históricos estando actualmente pontuada por quiosques de design moderno e banal que não se integram na paisagem urbana histórica;
-A perda do Mercado da Praça da Figueira, único que existia na Baixa, provocou um grande empobrecimento deste espaço público pois era um equipamento gerador de vida urbana;
A LAJB e a ALV propõem:
-À semelhança do inventário das lojas da Baixa a preservar, que seja feito um levantamento do mobiliário urbano a preservar e que esse inventário faça parte da redacção final do PPSBP;
-O desenvolvimento de um projecto de criação de pontos de água sob a forma de novas fontes e bebedouros para melhorar o Conforto Ambiental dos espaços públicos da Baixa. Actualmente é notória a diferença em termos qualitativos entre, por exemplo, o Rossio onde duas fontes humidificam o ar e árvores criam percursos sombreados e a inóspita Praça da Figueira.
-O estabelecimento de regras muito precisas para os quiosques a instalar na Baixa, não só para o design deste tipo de mobiliário como também para a sua implementação;
-Que se estude a ocupação parcial da placa central da Praça da Figueira com pequenos pavilhões de venda de hortícolas, flores, assim como cafés, padarias, tascas e gelatarias. Experiências destas muito bem sucedidas em praças secundárias de cidades da Europa, tanto do sul como do norte devem ser estudadas (imagens em anexo do Viktuallenmarkt em Munique). A recuperação da antiga função de mercado ajudaria a resolver o vazio e falta de orientação de que sofre a Praça da Figueira. É preciso actualizar a memória do antigo mercado.
4-Conclusão: Uma cidade gerida com os cidadãos e não para os cidadãos
Preocupa-nos que a redacção do PPSBP se concentre, quase exclusivamente, nas regras para as operações urbanísticas. Falta uma Estratégia Ambiental. A Liga dos Amigos do Jardim Botânico e a Associação Lisboa Verde consideram que é vital a inclusão de uma Estratégia Ambiental no PPSBP. Para garantir a sustentabilidade de Lisboa o plano deve conter regras que contribuam para a melhoria geral do Ambiente Urbano. Só dessa forma a perspectiva de habitar na Baixa poderá ser opção atraente e viável para os cidadãos.
Tem que ser criado um novo paradigma para a estrutura ecológica da cidade de Lisboa e para uma Estratégia Ambiental que prepare o futuro: Sistema de vistas das colinas e dos vales; Sistema de sombras; Intervenções para retenção e infiltração das águas pluviais; Conservação e restauro do edificado; Cruzamento da cultura rural e urbana; Rede de Transportes Colectivos.
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico e a Associação Lisboa Verde esperam que o PPSBP se afirme pela mudança de paradigma na gestão do património arquitectónico, urbanístico e ambiental único que encontramos na Baixa pombalina. Esperamos ter contribuído para a elaboração de um PPSBP que promova uma Baixa ambientalmente mais confortável e sustentável. Mostramo-nos desde já inteiramente disponíveis para todo e qualquer esclarecimento e colaboração cívica.
Liga dos Amigos do Jardim Botânico
Associação Lisboa Verde
Lisboa, 15 de Setembro de 2010
Foto: Praça do Comércio em 1950, por Sena da Silva