Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa:
A LIGA DOS AMIGOS DO JARDIM BOTÂNICO
Vem apresentar junto de V. Exa., no âmbito da Exposição " Concurso de Ideias para o Parque Mayer, Jardim Botânico e Edifícios da Politécnica e Zona Envolvente ", o seguinte memorando:
-Considerações gerais
-Considerações sobre o Jardim Botânico e os Edifícios Museológicos da Politécnica
-Considerações sobre a relação do Jardim Botânico com o Parque Mayer
-Oposições e recomendações
-Considerações sobre a relação do Jardim Botânico com os vizinhos
1. Considerações gerais
Considerando que Portugal necessita de aumentar a cultura científica dos seus cidadãos como uma das condições de desenvolvimento (é dos países da Europa com um dos maiores défices de cultura científica);
- Considerando que os portugueses precisam de alterar os actuais comportamentos insustentáveis (são dos cidadãos da União Europeia com maior pegada Ecológica);
- Considerando que a cidade de Lisboa é uma das capitais da Europa com menos metros quadrados de espaços verdes por habitante;
- Considerando que qualquer projecto de densificação do tecido urbano deste macro-quarteirão vai inevitavelmente aumentar-lhe a temperatura do ar;
- Considerando que os projectos de habitação de luxo se traduzem num aumento significativo do número de viaturas de transporte individual (com consequente acumular de emissões poluentes e temperatura);
- Considerando que a actual primazia das viaturas de transporte individual na maioria das deslocações dentro da capital penaliza gravemente a qualidade de vida dos lisboetas, resultando em parte, da oferta de transportes públicos muito deficiente (a importância do transporte individual na região de Lisboa aumentou de 26% para 46% entre 1991 e 2001).
2. Considerações sobre o Jardim Botânico e os edifícios museológicos da PolitécnicaO que é um Jardim Botânico? Um Jardim Botânico é um museu vivo. As plantas aí cultivadas constituem uma colecção destinada a cumprir uma missão: ensinar e investigar Botânica e conservar espécies.
De que se compõe o Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural?
Para além da colecção exterior enraizada, o Jardim Botânico tem: estufas (umas abertas ao público, outras para viveirismo e investigação), viveiros, banco de sementes, laboratórios, museu botânico – colecções de frutos (carpológica), sementes (seminário), madeiras (xiloteca), artefactos botânicos, herbários, biblioteca, painéis didácticos, mapas, gabinetes de direcção, de investigadores e técnicos, secretaria, espaço educativo e anfiteatro.
Um Jardim Botânico do futuro – De que equipamentos devem estar munidos os Jardins Botânicos? A Liga dos Amigos do Jardim Botânico alerta para as deficiências / problemas do Jardim Botânico.
Para cumprir a sua missão o Jardim Botânico precisa dos seguintes equipamentos a curto e médio prazo:
- Centro de Acolhimento (inexistente) onde os visitantes encontrem um espaço com galeria de interpretação, bengaleiro, sanitários, recursos de acessibilidade, etc;
- Museu da Botânica (inexistente) - Espaços para exposições permanentes ou temporárias - tanto estufas como salas no edifício principal;
- Biblioteca Botânica - A rica biblioteca do Jardim Botânico, onde se incluem publicações e manuscritos desde o século XVIII, necessita de espaço próprio e condigno que possibilite conservar e consultar o seu acervo;
- Herbários - Inexistência de uma área de preparação independente do acervo, com um espaço intermédio de desinfestação de modo a prevenir infestações;
- Seminário - Inexistência de espaço próprio para armazenamento e conservação de sementes;
- Banco de sementes - O actual é demasiado pequeno. Com possibilidade de albergar, processar e investigar um maior acervo;
- Estufas modernas - A actual é obsoleta e está degradada. É essencial para a investigação e actractibilidade do Jardim, ficando independentes de condições climáticas adversas, podendo assim ser visitadas durante todo o ano;
- Espaços de trabalho para investigadores residentes e visitantes (inexistentes ou inadequados);
- Viveiro maior e bem equipado;
- Área de jardim para plantas autóctones e área didáctica
hands-on para ciranças (inexistentes);
- Escola de Jardinagem (inexistente);
- Restaurante, cafetaria e lojas para apoio aos visitantes (inexistentes);
- Espaço de descanso e estada dos visitantes, adultos e crianças (inexistente);
- Espaços educativos adequados a grupos de diversas faixas etárias e necessidades de acesso (inexistentes ou inadequados);
- Espaços de acolhimento de voluntários, da Liga dos Amigos do Jardim Botânico e outras ONGs; - Auditório para debates públicos com desenho que permita a interacção mais simétrica entre cientistas e cidadãos (a forma dos auditórios actuais destina-os a conferências e aulas);
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico gostaria que o Plano de Pormenor preparasse o actual Jardim Botânico para se tornar num importante centro de investigação e educação ambiental para a capital e o país. Para cumprir essa missão é preciso manter a ligação formal e funcional do Jardim com o edifício principal, consubstanciando a unidade Jardim Botânico e Museu Nacional de História Natural, de que faz parte. Precisa também de equipar devidamente o Jardim Botânico de forma a fazer dele uma instituição botânica relevante para a sociedade portuguesa e equiparável aos seus congéneres a nível europeu e mundial.
3. Considerações sobre a relação do Jardim Botânico com o Parque Mayer
Aplaudimos a decisão da CML de incluir a componente jardim no Parque Mayer. Gostaríamos que essa componente jardim constituísse uma ligação conceptual com o Jardim Botânico, complementando a colecção do Jardim Botânico e criando no Parque Mayer um espaço verde com espécies da Flora de Portugal.
Chamamos a atenção que existem 10 salas de espectáculos num raio de cerca de 500 metros do Jardim Botânico-Parque Mayer e que algumas delas apresentam grande valor patrimonial. Por outro lado, as que estão actualmente preparadas para funcionar, não têm na maioria dos casos um programa de actividades culturais e/ou recreativas para todo o ano.
Não desvalorizando a vocação recreativa do Parque Mayer, esta pode ser complementada pela vocação histórica do Jardim Mayer original, implantando aí um jardim de flora autóctone de espécies xerofíticas, numa interface com o Jardim Botânico; uma escola de Jardinagem, um teatro ao ar livre, assim como por exemplo, um auditório de debate entre cidadãos, espaços para sedes de instituições públicas ou privadas, ligadas à conservação e defesa do ambiente bem como à educação para a cidadania.
4. Oposições e recomendações
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico manifesta a sua oposição:
- À alienação de imóveis com valor histórico-científico localizados dentro do Jardim Botânico;
- À alienação de partes dos Edifícios da Politécnica para usos não consentâneos com a sua missão (ex: demolição da estufa para construção de um hotel);
- À ocupação de terrenos do Jardim Botânico com novas construçôes permanentes (ex: destruição dos viveiros para construção de edifício);
- À construção de novos edifícios permanentes nos logradouros e jardins, incluídos na Zona Especial de Protecção do Jardim Botânico (Monumento Nacional). Como Monumento Vivo de natureza frágil, todos os logradouros e jardins na sua envolvente, devem ser tratados como " zona tampão " do Jardim Botânico, protegendo a hidrologia e por consequência a saúde e sobrevivência deste ecossistema;
- Ao rasgamento de novos arruamentos, para construção de novas frentes urbanas, nos logradouros dos imóveis da Rua do Salitre, Rua da Alegria, Calçada da Patriarcal e Rua da Escola Politécnica;
- Ao atravessadiço do Jardim Botânico e/ou dos logradouros na sua envolvente, por funiculares ou elevadores (que em algumas propostas teriam estações dentro do próprio Jardim Botânico);
- À multiplicação de pontos de entrada do Jardim Botânico a que corresponderá uma multiplicação dos problemas de segurança das colecções vivas do Jardim Botânico;
- À construção em altura na envolvente do Jardim Botânico, com impactos negativos na radiação incidente e na circulação do ar;
- À construção de parques de estacionamento subterrâneo nos logradouros e jardins, incluídos na Zona Especial de Protecção do Jardim Botânico (50 metros a contar do muro pombalino do jardim).
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico recomenda:
- Que a componente " Espaço Verde " do novo Parque Mayer seja alargada, mais assumida e genuína e que não se reduza a edifícios com coberturas de terraços ajardinados sem viabilidade para o crescimento de árvores. Lisboa tem no Parque Mayer a sua última oportunidade para criar um jardim no centro histórico da capital;
- Que a segunda fase de preparação do Plano de Pormenor contemple uma estratégia para os transportes públicos dentro e fora do macro-quarteirão em estudo, como por exemplo a reposição da prometida carreira do eléctrico 24 (Cais do Sodre-Campolide, via Rua da Escola Politécnica). Com a melhoria da oferta de transportes publicos, aliada a uma requalificação dos arruamentos na perspectiva do peão em vez da dos automobilistas (alargamento dos passeios, criação de mais passadeiras), será possível aos lisboetas adoptarem modelos de mobilidade mais sustentáveis. Este Plano de Pormenor deve abandonar o actual modelo insustentável da criação de parques de estacionamento subterrâneo no centro da cidade (privilegiando a direcção de mobilidade e não de tráfego);
- Que se respeite a margem de 50 metros de protecção non edificandi no exterior da cerca pombalina, acautelando alterações de circulação e qualidade do ar, de radiação incidente e de hidrogeologia;
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico gostaria que este Plano de Pormenor fosse também o momento para a urgente qualificação e ordenamento das ocupaçôes ilegais e impermeabilizaçôes dos logradouros em redor do Jardim Botânico. Para garantir a correcta preservação do Jardim Botânico é essencial libertar o máximo possível de solos actualmente impermeabilizados e ocupados com construçôes permanentes com consequências graves para os recursos hídricos.
5. Considerações sobre a relação do Jardim Botânico com os vizinhosA desqualificação do enquadramento urbano do Jardim Botânico dado pelas ocupações caóticas dos logradouros da Zona Especial de Protecção constituem também motivo de grande preocupação da Liga dos Amigos do Jardim Botânico. Os interesses imobiliários da vizinhança serão tanto mais valorizados quanto mais este património (Jardim Botânico e Edifícios dos Museus da Politécnica) for preservado, enriquecido e enobrecido como monumentos nacionais, instituições e paisagem de interesse histórico e científico para Lisboa e para o país.
Em conclusão:
A Liga dos Amigos do Jardim Botânico espera que este Plano de Pormenor se afirme pela mudança de paradigma do planeamento da capital.
Preocupa-nos que, de uma forma geral, as cinco propostas vencedoras apresentem uma tendência para amputar o Jardim Botânico e os edifícios dos Museus das suas funções e usos.
A cidade de Lisboa está perante uma oportunidade única para finalmente colocar este macro-quarteirão em sintonia com o Jardim Botânico que é, sem dúvida, o elemento mais valioso deste conjunto, razão pela qual foi reconhecido pelo estado português como Monumento Nacional.
Julgamos, com este memorando poder dar o nosso contributo para o conhecimento e enriquecimento das propostas a apresentar.
Mostramo-nos desde já inteiramente disponíveis para todo e qualquer esclarecimento e colaboração cívica que julgar necessários.
NOTA: Memorando enviado pela Liga dos Amigos do Jardim Botânico ao Presidente da CML no dia 2 de Maio de 2008