"Trata-se de um problema de educação cívica", comenta bastonário dos arquitectos, que fala em fenómeno único na Europa
As marquises nas fachadas dos prédios são um dos alvos de uma campanha que arranca no mês que vem para sensibilizar a população para os aspectos estéticos do fenómeno. As caixas de ar condicionado e os estendais também vão estar na berlinda nesta iniciativa, que, apesar de ter o apoio do Ministério do Ambiente, partiu de um gestor privado.
Aos 56 anos, Luís Mesquita Dias, que é presidente do conselho de administração da Unilever-Jerónimo Martins, decidiu que era altura de chamar a atenção dos portugueses para um fenómeno que diz nunca ter visto em parte nenhuma da Europa desenvolvida senão aqui - apesar de ter morado vários anos em Barcelona e Bruxelas e também em Banguecoque: "Choca-me ver o meu país degradar-se. Estamos a hipotecar a nossa paisagem urbana". Depois de, há 12 anos, ter tentado - sem sucesso - sensibilizar todas as câmaras municipais e várias outras entidades para a necessidade de pôr cobro àquilo que designa por "desordem urbanística", resolveu agir.
Um spot televisivo, outro radiofónico e cartazes nas ruas de Lisboa são as armas de que se muniu para desafiar a "impunidade com que se intervém nas fachadas dos prédios" e "a falta de controlo das entidades" responsáveis pela fiscalização. Com apenas 30 segundos, o spot televisivo mostra algumas marquises dos milhares delas que têm sido fechadas clandestinamente, aparelhos de ar condicionado colocados de forma indiscriminada e estendais "com cuecas que teimam em pingar", como diz a voz off do vídeo. "A cidade que temos é a cidade que fazemos", lê-se no final.
Casado e com dois filhos, Luís Mesquita Dias está ciente das reacções negativas que esta campanha - à qual se associaram parceiros não só institucionais como também privados, que pagaram os custos das suas diferentes vertentes - vai desencadear. As famílias com muitos filhos vão dizer que não têm outra alternativa senão pôr uma das crianças a dormir na marquise, antevê. "Mas não há famílias nos países onde o fenómeno nunca atingiu proporções semelhantes às portuguesas?", questiona.
Realista, o gestor sabe que é impossível arrancar as centenas de milhares de marquises clandestinas espalhadas pelo país. Por isso, apresenta uma solução: a colocação de estores brancos nestas excrecências acrescentadas às varandas. Todos iguais, de forma a uniformizar as fachadas.
O bastonário dos arquitectos, João Rodeia, ignorava a campanha que aí vem. Mas congratula-se por um particular ter resolvido chamar a atenção para o problema. "Não conheço outro país europeu em que isto aconteça", confirma. "Em Espanha as varandas têm toldos e as pessoas usufruem delas sempre que o bom tempo o permite". Então o que se passa em Portugal? "É uma questão de educação cívica", responde o bastonário. "E cada varanda tem um sistema de fecho diferente, o que desfigura ainda mais os edifícios".
"Compreendo a necessidade de espaço das pessoas, mas todos têm o direito a que as cidades não fiquem desfiguradas", acrescenta, referindo os anos e anos de permissividade das autoridades. "O que é mais angustiante é que a maioria das pessoas habituou-se a estes fenómenos e não os acha estranhos". Embora arranque em Lisboa, a campanha deverá estender-se ao Porto e eventualmente a outras cidades. In Público 27/8/2009
FOTO: Edifício da década de 60 do séc. XX na Rua António Pedro, 8. As varandas são óptimos locais para crescer plantas e assim contribuir para uma cidade mais saudável e bela. Encerrar as varandas com envidraçados contribui para o aumento da temperatura do ar (funcionam como estufas) para além de desfigurar a arquitectura da cidade.