A LIGA DOS AMIGOS DO JARDIM BOTÂNICO
Vem apresentar junto de V. Exa., no âmbito do processo de Discussão Pública do Projecto de Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), as seguintes sugestões:
-Considerando que os portugueses precisam de alterar os actuais comportamentos insustentáveis (são dos cidadãos da União Europeia com maior Pegada Ecológica);
-Considerando que Lisboa é uma das capitais da Europa com menos metros quadrados de espaços verdes por habitante;
-Considerando que Lisboa é uma das capitais europeias com menor investimento na reabilitação e conservação urbana, prova de um sector imobiliário muito insustentável;
-Considerando que a mobilidade em Lisboa é centrada nas viaturas de transporte individual (os transportes públicos estão a perder utentes);
-Considerando que os projectos de edifícios com estacionamento se traduzem num aumento significativo do número de viaturas de transporte individual (com consequente acumular de emissões poluentes e temperatura);
-Considerando que aprovação de projectos de edifícios com estacionamento incentiva o uso de viaturas de transporte individual nas deslocações dentro da capital;
-Considerando que a actual primazia das viaturas de transporte individual na maioria das deslocações dentro da capital penaliza gravemente a qualidade de vida de todos os lisboetas, resultando em parte, da oferta de transportes públicos ainda deficiente (a importância do transporte individual na região de Lisboa aumentou de 26% para 46% entre 1991 e 2001).
2. Comentários sobre estacionamento e logradouros
-Aplaudimos o facto de um dos grandes objectivos do presente regulamento ser o "desencorajar a demolição e substituição dos edifícios existentes e incentivar a respectiva conservação e reabilitação e a implementação de soluções de reciclagem, reutilização, racionalização de recursos e aproveitamento de energias alternativas".
-Aplaudimos também a decisão da Câmara Municipal de incluir no RMUEL um conjunto de medidas que visam garantir um futuro mais sustentável como "Eficiência, reutilização e reciclagem de águas" (Artigo 28), "Parqueamento de bicicletas" (Artigo 58), "Melhoria do desempenho energético dos edifícios e racionalização de recursos naturais e energéticos" (Artigo 59), "Eficiência energética" (Artigo 60), "Utilização de energias renováveis" (Artigo 63), entre outras.
-Gostaríamos que estas medidas, para um planeamento urbano e edificações sustentáveis, apresentassem uma ligação mais coerente com a política de reabilitação urbana. Na opinião da LAJB, o presente projecto do RMUEL apresenta algumas contradições, nomeadamente:
-Se por um lado "são incentivadas pelo Município as acções que visem a conservação e reabilitação dos espaços urbanos e do edificado onde a escala volumétrica dos edifícios, características dos elementos arquitectónicas, as tipologias construtivas, o desenho urbano e o ambiente social, lhes confiram uma forte identidade social, arquitectónica e urbana", por outro lado aparecem diversos artigos que, directamente ou indirectamente, incentivam a destruição de edifícios e logradouros.
-Existe uma preocupante tendência em Lisboa para demolir edifícios e conjuntos urbanos, em zonas consolidadas, para se construirem novos edifícios com estacionamento em cave. A intensificação dos pedidos de demolição de imóveis está directamente ligada ao insustentável modelo do "fogo com lugares de estacionamento subterrâneo" que domina o mercado imobiliário. O fraco investimento nacional em projectos de reabilitação e restauro deve-se, em grande parte, ao facto de em Portugal ainda se promover este modelo de mobilidade centrado no transporte individual.
-A enfâse que é dada ao estacionamento, à superfície ou em caves, acaba não só por encorajar a demolição e substituição dos edifícios existentes como também a mobilidade urbana assente no transporte individual. Como habitualmente a demolição de um edifício é acompanhada pela destruição do seu logarouro / jardim, os prejuízos ambientais são particularmente graves.
-No Artigo 40, "Logradouros", a Câmara Municipal considera, logo no ponto 2, a ocupação em cave sob os logradouros desde que tratado "com coberto vegetal e árvores". Chamamos atenção para o facto da cobertura de um edifício em cave não ter viabilidade para o crescimento de árvores. Quanto ao ponto seguinte, "Nos casos em que o logradouro seja parcialmente em terraço ajardinado, a altura entre a camada drenante e a superfície de terra viva não pode ser inferior a 0,80 m", alertamos para o facto de nesta espessura de solo ser viável apenas o desenvolvimento de espécies herbáceas e arbustivas.
3. Recomendações
-Com o objectivo de reduzir o número de veículos de transporte individual nos centros urbanos, várias cidades da Europa, como por exemplo Londres, oferecem incentivos fiscais aos projectos imobiliários que optem por não construir caves para estacionamento. O investimento em projectos imobiliários alternativos desta natureza, que promovem estilos de vida mais sustentáveis, devem ser fortemente apoiados. Propomos que a Câmara Municipal, mediante regulamento sobre a matéria, preveja também a redução das taxas urbanísticas aos requerentes que optem por projectos de edifícios sem caves para estacionamento.
-O incentivo referido no número anterior deverá assumir a forma de redução das taxas urbanísticas a estabelecer em regulamento municipal sobre a matéria.
-A Liga dos Amigos do Jardim Botânico vê este projecto de RMUEL como uma oportunidade para o urgente ordenamento das ocupações ilegais e impermeabilizações dos logradouros. Para garantir a sustentabilidade de Lisboa é importante libertar os solos impermeabilizados e ocupados com construções permanentes com consequências graves para os recursos hídricos.
-Que o novo RMUEL dê mais enfâse aos logradouros e preveja incentivos para a renaturalização de logradouros mediante, por exemplo, operações de emparcelamento de modo a criar novos espaços verdes no interior de quarteirões.
-Por forma a compensar a área impermeabilizada resultante da construção de novas edificações deve ser incentivado o uso de materiais impermeáveis nos arruamentos e outras zonas pavimentadas para infiltração e retenção de águas pluviais.
-Sempre que possível, as coberturas em terraço de novos edifícios devem ser pensadas como jardins (com espécies xerofíticas) de forma a melhorar o conforto bioclimático da cidade mas também para reduzir o impacto negativo das coberturas quando vistas de cotas mais altas, como por exemplo zonas históricas e miradouros.
4. Conclusão
Preocupa-nos que, de uma forma geral, a redacção do RMUEL apresente uma tendência para incentivar a construção de estacionamento subterrâneo através da impermeabilização e destruição de logradouros. A cidade de Lisboa está perante uma oportunidade de colocar o RMUEL mais em sintonia com as novas políticas governamentais e municipais de promoção dos transportes públicos.
Esperamos, com estas sugestões, ter dado o nosso contributo para a elaboração de um RMUEL que promova uma cidade mais sustentável. Mostramo-nos desde já inteiramente disponíveis para todo e qualquer esclarecimento e colaboração cívica que julgar necessários.