terça-feira, 30 de setembro de 2008

Projecto de Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL)

Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa:

A LIGA DOS AMIGOS DO JARDIM BOTÂNICO

Vem apresentar junto de V. Exa., no âmbito do processo de Discussão Pública do Projecto de Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL), as seguintes sugestões:

1. Considerações gerais

-Considerando que os portugueses precisam de alterar os actuais comportamentos insustentáveis (são dos cidadãos da União Europeia com maior Pegada Ecológica);

-Considerando que Lisboa é uma das capitais da Europa com menos metros quadrados de espaços verdes por habitante;

-Considerando que Lisboa é uma das capitais europeias com menor investimento na reabilitação e conservação urbana, prova de um sector imobiliário muito insustentável;

-Considerando que a mobilidade em Lisboa é centrada nas viaturas de transporte individual (os transportes públicos estão a perder utentes);

-Considerando que os projectos de edifícios com estacionamento se traduzem num aumento significativo do número de viaturas de transporte individual (com consequente acumular de emissões poluentes e temperatura);

-Considerando que aprovação de projectos de edifícios com estacionamento incentiva o uso de viaturas de transporte individual nas deslocações dentro da capital;

-Considerando que a actual primazia das viaturas de transporte individual na maioria das deslocações dentro da capital penaliza gravemente a qualidade de vida de todos os lisboetas, resultando em parte, da oferta de transportes públicos ainda deficiente (a importância do transporte individual na região de Lisboa aumentou de 26% para 46% entre 1991 e 2001).

2. Comentários sobre estacionamento e logradouros

-Aplaudimos o facto de um dos grandes objectivos do presente regulamento ser o "desencorajar a demolição e substituição dos edifícios existentes e incentivar a respectiva conservação e reabilitação e a implementação de soluções de reciclagem, reutilização, racionalização de recursos e aproveitamento de energias alternativas".

-Aplaudimos também a decisão da Câmara Municipal de incluir no RMUEL um conjunto de medidas que visam garantir um futuro mais sustentável como "Eficiência, reutilização e reciclagem de águas" (Artigo 28), "Parqueamento de bicicletas" (Artigo 58), "Melhoria do desempenho energético dos edifícios e racionalização de recursos naturais e energéticos" (Artigo 59), "Eficiência energética" (Artigo 60), "Utilização de energias renováveis" (Artigo 63), entre outras.

-Gostaríamos que estas medidas, para um planeamento urbano e edificações sustentáveis, apresentassem uma ligação mais coerente com a política de reabilitação urbana. Na opinião da LAJB, o presente projecto do RMUEL apresenta algumas contradições, nomeadamente:

-Se por um lado "são incentivadas pelo Município as acções que visem a conservação e reabilitação dos espaços urbanos e do edificado onde a escala volumétrica dos edifícios, características dos elementos arquitectónicas, as tipologias construtivas, o desenho urbano e o ambiente social, lhes confiram uma forte identidade social, arquitectónica e urbana", por outro lado aparecem diversos artigos que, directamente ou indirectamente, incentivam a destruição de edifícios e logradouros.

-Existe uma preocupante tendência em Lisboa para demolir edifícios e conjuntos urbanos, em zonas consolidadas, para se construirem novos edifícios com estacionamento em cave. A intensificação dos pedidos de demolição de imóveis está directamente ligada ao insustentável modelo do "fogo com lugares de estacionamento subterrâneo" que domina o mercado imobiliário. O fraco investimento nacional em projectos de reabilitação e restauro deve-se, em grande parte, ao facto de em Portugal ainda se promover este modelo de mobilidade centrado no transporte individual.

-A enfâse que é dada ao estacionamento, à superfície ou em caves, acaba não só por encorajar a demolição e substituição dos edifícios existentes como também a mobilidade urbana assente no transporte individual. Como habitualmente a demolição de um edifício é acompanhada pela destruição do seu logarouro / jardim, os prejuízos ambientais são particularmente graves.

-No Artigo 40, "Logradouros", a Câmara Municipal considera, logo no ponto 2, a ocupação em cave sob os logradouros desde que tratado "com coberto vegetal e árvores". Chamamos atenção para o facto da cobertura de um edifício em cave não ter viabilidade para o crescimento de árvores. Quanto ao ponto seguinte, "Nos casos em que o logradouro seja parcialmente em terraço ajardinado, a altura entre a camada drenante e a superfície de terra viva não pode ser inferior a 0,80 m", alertamos para o facto de nesta espessura de solo ser viável apenas o desenvolvimento de espécies herbáceas e arbustivas.

3. Recomendações

-Com o objectivo de reduzir o número de veículos de transporte individual nos centros urbanos, várias cidades da Europa, como por exemplo Londres, oferecem incentivos fiscais aos projectos imobiliários que optem por não construir caves para estacionamento. O investimento em projectos imobiliários alternativos desta natureza, que promovem estilos de vida mais sustentáveis, devem ser fortemente apoiados. Propomos que a Câmara Municipal, mediante regulamento sobre a matéria, preveja também a redução das taxas urbanísticas aos requerentes que optem por projectos de edifícios sem caves para estacionamento.

-O incentivo referido no número anterior deverá assumir a forma de redução das taxas urbanísticas a estabelecer em regulamento municipal sobre a matéria.

-A Liga dos Amigos do Jardim Botânico vê este projecto de RMUEL como uma oportunidade para o urgente ordenamento das ocupações ilegais e impermeabilizações dos logradouros. Para garantir a sustentabilidade de Lisboa é importante libertar os solos impermeabilizados e ocupados com construções permanentes com consequências graves para os recursos hídricos.

-Que o novo RMUEL dê mais enfâse aos logradouros e preveja incentivos para a renaturalização de logradouros mediante, por exemplo, operações de emparcelamento de modo a criar novos espaços verdes no interior de quarteirões.

-Por forma a compensar a área impermeabilizada resultante da construção de novas edificações deve ser incentivado o uso de materiais impermeáveis nos arruamentos e outras zonas pavimentadas para infiltração e retenção de águas pluviais.

-Sempre que possível, as coberturas em terraço de novos edifícios devem ser pensadas como jardins (com espécies xerofíticas) de forma a melhorar o conforto bioclimático da cidade mas também para reduzir o impacto negativo das coberturas quando vistas de cotas mais altas, como por exemplo zonas históricas e miradouros.

4. Conclusão

Preocupa-nos que, de uma forma geral, a redacção do RMUEL apresente uma tendência para incentivar a construção de estacionamento subterrâneo através da impermeabilização e destruição de logradouros. A cidade de Lisboa está perante uma oportunidade de colocar o RMUEL mais em sintonia com as novas políticas governamentais e municipais de promoção dos transportes públicos.

A Liga dos Amigos do Jardim Botânico espera que o novo RMUEL se afirme pela mudança de paradigma na gestão dos recursos naturais e construídos da capital.

Esperamos, com estas sugestões, ter dado o nosso contributo para a elaboração de um RMUEL que promova uma cidade mais sustentável. Mostramo-nos desde já inteiramente disponíveis para todo e qualquer esclarecimento e colaboração cívica que julgar necessários.

NOTA: Carta enviada pela Liga dos Amigos do Jardim Botânico ao Presidente da CML no dia 30 de Setembro de 2008

FOTO: Logradouro na Calçada do Lavra, o tipo de património ameaçado pela construção de estacionamento subterrâneo.

domingo, 28 de setembro de 2008

Verão pode durar seis meses daqui a 50 anos

in Expresso, 28 de Setembro de 2008

Especialistas analisam mudanças climáticas

A tradição já não é o que era. Em Portugal, o calor está a chegar antes e permanece depois da estação acabar. Mas as boas novas para os veraneantes constituem um perigo para as economias e para a saúde pública.

Os amantes do bom tempo vão bater palmas, mas as consequências não são de aplaudir. A Primavera em Portugal já tem mais dez dias e o Verão prepara-se para durar cinco ou seis meses daqui por 50 anos.

O período legal de época balnear, que começa a 1 de Junho e termina terça-feira, pode ser forçado a uma revisão por causa do aumento da temperatura e da diminuição da chuva, que atraem cada vez mais banhistas à costa portuguesa fora das épocas tradicionais.

"Com o aumento da temperatura média, o que nós chamamos o tempo de Verão vai prolongar-se. Daqui a 50 anos, em vez de dois ou três meses de Verão, vamos ter cinco ou seis", afirma o especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos, em declarações à Lusa.

Em Portugal, o calor está a chegar antes do Verão e permanece depois da estação acabar: "A temperatura de conforto para ir à praia, que é de 21 ou 22 graus, está a registar-se em mais dias do ano", diz o coordenador científico dos centros de investigação do Instituto de Meteorologia, Pedro Viterbo.

As estatísticas dos últimos 20 anos indicam que o aumento de temperatura é da ordem dos 0,47 graus por década e que a temperatura máxima tem subido durante o Verão (21 de Junho a 21 de Setembro).

Recuando até 1931, verifica-se que os seis anos mais quentes até 2000 ocorreram nos últimos 12 anos do século XX, sendo 1997 o que registou mais calor.

A subida dos termómetros chega assim cada vez mais cedo. Começa a ser em Maio, e já não em Junho, que os veraneantes visitam a praia pela primeira vez no ano.

"Como a variação entre Maio e Junho é de um grau a um grau e meio, pode dizer-se que a temperatura de conforto para ir à praia está a ser antecipada", explica o investigador do Instituto de Meteorologia.

Também na chuva se registam alterações, que os investigadores estimam agravar-se nas próximas décadas, prevendo-se que se concentre mais no Inverno e deixe de ser tão distribuída ao longo do ano.

É com base nas alterações de precipitação e temperatura, também características de cada estação do ano, que Pedro Viterbo revela que nem na meteorologia a tradição é o que era.

"A transição do Inverno para a Primavera [a 21 Março] tem acontecido mais cedo, cerca de dez dias a meio mês", afirma o investigador de meteorologia. Portugal tem registado uma quebra nos níveis de precipitação da ordem dos 80 milímetros por ano e é sobretudo em Março que a diminuição tem sido mais notada.

"Uma das diferenças entre o Inverno e a Primavera é precisamente a precipitação. O final do Inverno tem registado menos chuva, logo pode dizer-se que há uma antecipação da Primavera em uma ou duas semanas", explica Pedro Viterbo.

Esta alteração das estações do ano é apenas meteorológica, pois o que as caracteriza é a duração dos dias e noites, que aumentam ou diminuem ao longo do ano consoante a inclinação do eixo da Terra face ao Sol.

A mudança do clima verifica-se em todo o mundo, estando os cientistas convictos de que é uma consequência da acção poluidora do Homem, nomeadamente no sector dos transportes.

As últimas previsões da comunidade científica apontam para um aumento da temperatura entre os 1,9 e 4,6 graus nas próximas décadas, uma maior frequência das ondas de calor e uma subida do nível do mar agravada pelo derretimento de gelo do Pólo Norte.

Os governos começam agora a estudar estratégias de adaptação às alterações climáticas, reconhecendo que as boas novas para os veraneantes constituem um perigo para as economias e para a saúde pública.

FOTO: Montado de Quercus suber (Sobreiro) no Alentejo.

Câmara de Lisboa abre "guerra" aos cepos


in JN, 25 de Setembro de 2008

Os cerca de 300 a 350 cepos de árvores abatidas que existem por toda a cidade de Lisboa vão desaparecer até meados de Fevereiro, Março, assegurou, ao JN, José Sá Fernandes, vereador do Ambiente e dos Espaços Verdes.

De acordo com o autarca, que ontem acompanhou uma acção de remoção de cepos na Avenida General Roçadas, na freguesia de Penha de França, já foram removidos restos de troncos e raízes nas freguesias do Coração de Jesus, São João de Brito, São João de Deus e São Sebastião da Pedreira, num total de 44 cepos arrancados.

A primeira acção de retirada de cepos, arranjo dos passeios, manutenção do arvoredo e plantação de espécies nas caldeiras vazias pela cidade remonta a Dezembro do ano passado. Nessa altura, foram removidos 45 cepos. A empreitada que agora decorre arrancou a 15 de Setembro e prevê a retirada de um total de 143 cepos por toda a cidade. Em meados de Outubro, arranca a segunda fase desta operação, que deverá estender-se pelo mês de Novembro, altura em que terá início a replantação de novas árvores em substituição dos troncos e raízes secas, por ser esta a data mais adequada às replantações.

Segundo Sá Fernandes, uma das grandes inovações da empreitada prende-se com o método que está a ser utilizado para arrancar os cepos. Em vez da tradicional retroescavadora, que além de puxar as raízes arrasta consigo calçada e pavimento, está a ser aplicado como ferramenta de trabalho um cilindro oco que vai rodando em redor do cepo, cortando as raízes.

O cepo acaba por sair quase de forma cirúrgica, sem causar danos na zona em redor. A operação dura entre 30 minutos e uma hora, mas o método não pode ser aplicado em todos os locais, já que pode colidir com infra-estruturas instaladas no subsolo, explicou o vereador José Sá Fernandes. Se houver condicionantes no terreno, a Câmara de Lisboa recorrerá à tradicional retroescavadora ou ao destroçamento das raízes.

FOTOS: cepo no Largo da Igreja de Santos-o-Velho e caldeira vazia na Rua D. Pedro V.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A Árvore das Palavras: exposição na Casa Fernando Pessoa

A exposição "A Árvore das Palavras", produzida pelo Atelier 004 com base na ideia de Sebastião Reis, será inaugurada hoje (dia 24 de Setembro) na Casa Fernando Pessoa, onde poderá ser vista até Dezembro.

Uma árvore que dá frases e versos como se fossem frutos, e que terá num primeiro momento poemas de Ruy Belo e textos de José Cardoso Pires.

Na mesma data, pelas 18h30, terá lugar um debate sobre a vida e obra de Ruy Belo, com intervenções de Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz e Pedro Mexia. Luís Miguel Cintra fará a leitura de alguns poemas de Ruy Belo.

Casa Fernando Pessoa
Rua Coelho da Rocha, 16
1250-088 - Lisboa
Telf: 21 391 32 75
http://mundopessoa.blogs.sapo.pt/

FOTO: Óculos de Fernando Pessoa pousados sobre a obra The Lost Empires of the Modern World. Fotógrafo não identificado. Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Planeta entrou em dívida ecológica: «Nature's budget 'has run out'»

«The world has slid into "ecological debt", having used up all the natural resources the planet can provide this year, according to the New Economics Foundation.

The think-tank said humans were using up resources such as forests and fisheries faster than they can be regenerated and producing more waste, mainly carbon dioxide, than the planet can absorb.

As a result, we have been increasingly "overshooting" nature's budget each year since the 1980s, NEF said.

Tuesday marks the date when we have exceeded the natural resources the planet can provide for this year - a day which has been creeping steadily earlier each year.

From now until the end of the year, humanity is "dipping into our ecological reserves, borrowing from the future," according to Dr Mathis Wackernagel, executive director of the Global Footprint Network.

Each year, the network calculates humanity's ecological footprint - the demands it puts on the planet - and compares it to the capacity of the Earth's ecosystems to generate resources and absorb waste.

Human beings are currently using up the capacity of 1.4 planets, and consumption is increasing.

Last year, Ecological Debt Day, formulated by NEF based on data from the Global Footprint Network, was October 6 - although new data has been taken into account this year including emissions from slash and burn agriculture and biofuels.

Incorporating the new data into last year's calculations would have put Ecological Debt Day 2007 on September 28, showing human consumption is still on the rise, NEF said.

According to the foundation, the failure to live within our ecological means is the root of many of the most pressing environmental concerns, including climate change, collapsing fisheries, declining biodiversity and factors contributing to the current food crisis.» Press Assoc.

Segundo os cálculos da pegada ecológica , seriam necessários 2,4 planetas Terra para sustentar os padrões de vida dos portugueses, caso fossem adoptados por toda a população mundial.

FOTO: o rio Tejo junto da Estação Fluvial de Belém

«As misteriosas caixas negras dos museus portugueses»

in Público, 23 de Setembro de 2008

As colecções de instrumentos científicos dos museus e instituições científicas portuguesas foram visitadas pelos maiores especialistas do mundo durante uma semana. Há instrumentos que ganharam nome e relíquias reveladas.

Entre as cerca de 15 mil peças que compõem a reserva do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, três centenas delas permaneciam por catalogar. Autênticas peças mistério que ninguém sabe o que são ou para que servem. Assim foi até à semana passada. Foi quando chegaram os cerca de 120 especialistas convidados do 27º simpósio da Scientific Instrument Comission. Conseguiram identificar 15 dos instrumentos mistério. E gostaram do que viram.

Há um antes e o depois desta visita dos maiores especialistas mundiais em instrumentos científicos, que correram as reservas dos museus científicos portugueses ao longo da semana passada. É o que defende Marta Lourenço, do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, instituição que acolheu o simpósio."São os maiores especialistas. Vêm preparados, com luvas de algodão puro e lupa no bolso, como nos filmes, pedem chaves de parafusos e viram de pernas para o ar os instrumentos dos quais se desconhece a função ou a história. E decifram-nos".

Foi assim com 20 instrumentos "mistério" que a equipa do Museu de Ciência escolheu entre os 300 que não conseguia identificar. Foram todos expostos numa vitrina. E mostrados ao grupo de especialistas. "Imediatamente viraram-se para um e disseram - este é um polarímetro", diz Marta Lourenço que acrescenta que se tratam de objectos muito gastos pelo uso ao longo dos anos na instituição que já foi Noviciado da Cotovia (Séc. XVII), Colégio dos Nobres (Séc. XVIII) e Escola Politécnica (Séc. XIX), todas elas instituições que marcaram o ensino das ciências em Portugal. E que depois acolheu a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa antes desta se mudar para o pólo do Campo Grande. As últimas aulas só acabaram ali no início já do século XXI. Sobre a vasta colecção do Museu de Ciência Marta Lourenço revela aquela que é a opinião dos especialistas que se reuniram em Lisboa: "Temos pelo menos cinco instrumentos únicos no mundo".

Colecções escondidas
Ana Eiró, directora do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, que acompanhou o périplo dos especialistas em instrumentos científicos pelo país, lembra o fascínio de muitos deles pelas colecções que visitaram, do gabinete de física da Universidade de Coimbra à colecção de instrumentos científicos do Instituto Superior Técnico. Aqui, a colecção de cerca de cinco mil instrumentos da instituição foi tão elogiada que o presidente Carlos Matos Ferreira mostrou vontade de tentar criar um pequeno museu para que possam ser apreciadas por todos, algo que não é possível actualmente. O que estes especialistas fazem é extrair história da ciência a partir dos instrumentos científicos. "Há muitos instrumentos que não se conseguem perceber bem", diz Ana Eiró. "Mesmo que se saiba para que servem, a sua datação e quem os construiu não sabemos a sua história, como aqui vieram parar e por que mãos já passaram. É o conhecimento profundo de história da ciência destes especialistas que ajuda a recuperar a história perdida".

Paolo Brenni, do Museu de História da Ciência de Florença e presidente da Comissão de Avaliação de Instrumentos Científicos, lembrou, numa intervenção realizada no último dia da visita do grupo de especialistas a Lisboa, a importância de se inventariar as colecções de instrumentos de ciência pelo mundo, a bem da história: "Há colecções esquecidas e negligenciadas", apesar de frisar que nos últimos 25 anos termos aprendido muito sobre o que os instrumentos científicos nos podem contar. "Mas há muito para explorar ainda nesta área."Por sua vez John Heilbron, especialista em história da física e da astronomia, um dos maiores especialistas mundiais em instrumentos científicos, actualmente a leccionar na Universidade da Califórnia, em Berkeley, alertou, na mesma conferência de encerramento, para o perigo das "caixas negras", onde são guardados os instrumentos científicos sem que se possa, à luz do dia, revelar e mostrar o seu valor às massas. "Há que combater esta filosofia de caixa negra, que permaneceu impune durante anos e que só é vencida quando conseguimos mostrar a força dos instrumentos".

Stephen Johnston veio do Museu de História da Ciência da Universidade de Oxford, no Reino Unido, instituição que detém a maior colecção de astrolábios planisféricos do mundo. E no sábado deixou-se fascinar precisamente por essa força dos instrumentos referida por Heilbron. Johnston ouvia atentamente as lições do comandante José Manuel Malhão Pereira sobre as particularidades do astrolábio náutico, a adaptação do astrolábio feita pelos navegadores portugueses, que o usavam para "pesar o sol", como diziam os navegadores. A expressão vem do facto do peso do instrumento símbolo dos descobrimentos concentrar o peso na parte inferior e ser usado quase como um fio-de-prumo para medir a altura dos astros. Era a partir daí que era traçada a localização, talvez não muito precisa, mas que servia bem as necessidades das viagens dos descobrimentos. Malhão Pereira, que é oficial da Armada, mestre em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa e investigador do Centro de História da Ciência da Universidade de Lisboa, é coleccionador de réplicas de instrumentos náuticos portugueses "Mando fazer as minhas réplicas aos únicos três artesãos que os fabricam ainda". Usa-os para dar aulas e para "experimentar". "Os instrumentos são vistos mas raramente experimentados", afirma.
Johnston não podia estar mais de acordo: "Todos os miúdos da escola deviam ter um astrolábio", disse, de chapéu na cabeça, sob o Sol quente que batia no terraço do Museu de Ciência, de onde se pode avistar toda a cidade de Lisboa e o rio Tejo. "Um dia estava a explicar a um amigo como é que o astrolábio funcionava e ele exclamou passado um bocado: 'Isto é um relógio!' Mas é muito mais do que isso, é uma máquina do tempo. E é ecológico, não usa pilha ou qualquer outra energia a não ser a do Sol. É o que eu costumo explicar aos meus filhos", remata.Entre a colecção de astrolábios do museu de Oxford existe apenas um astrolábio náutico. "Veio de um navio espanhol naufragado", acrescenta Johnston. Existirão, segundo Malhão Pereira apenas 64 astrolábios náuticos em todo o mundo. A maior colecção pertence ao Museu de Marinha, em Belém, onde estão oito. Também por lá passaram os especialistas em instrumentos científicos durante a visita a Lisboa.
FOTO: Fachada da Escola Politécnica pelo fotógrafo Augusto Bobone (1852-1910). Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal.

domingo, 21 de setembro de 2008

AVENIDA DA LIBERDADE: «Poluição do ar em Lisboa 'rouba' seis meses de vida»

in Jornal de Notícias, 20 de Setembro de 2008

Há anos que limite de particulas poluentes é ultrapassado na Avenida da Liberdade.

Cerca de menos seis meses de vida, para quem reside ou trabalha na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Esta é a estimativa que consta num estudo da Faculdade de Ciências e Tecnologia sobre os efeitos da poluição nesta artéria.

"Sente-se o ar pesado, custa um pouco a respirar. Mas em comparação com o Barreiro, onde moro, até se sente menos o cheiro do gasóleo", admite Carla Santos, vigilante num dos edifícios junto ao Marquês de Pombal, em Lisboa. Apesar de só há quatro dias estar a trabalhar na Avenida da Liberdade, garante que já deu para sentir os níveis elevados de poluição que, desde 2005, a estação de monitorização da qualidade do ar, colocada em frente ao Cinema São Jorge, tem vindo a registar.

Segundo Francisco Ferreira, coordenador do estudo "Riskar Lisboa", desenvolvido por uma equipa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa, em parceria com várias instituições, entre elas o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em 2005 registaram-se 180 dias acima do valor limite das partículas inaláveis PM10, que transportam substâncias tóxicas para as vias respiratórias. "Desde então, passámos a ter uma média de 150 dias ao ano. O limite imposto pela legislação é de 35", refere o investigador.

A diminuição de seis meses na longevidade de residentes e população flutuante, provocada pela exposição à poluição na principal artéria da capital, é calculada com base no valor estabelecido por um estudo epidemiológico da Comissão Europeia, de 2005, que relacionou a mortalidade com a qualidade do ar. Este relatório recomendava ainda a adopção de medidas para a diminuição das concentrações de dióxido de azoto e das PM10, mas pouco foi feito em Lisboa, o que levou a abertura de um processo de contencioso contra Portugal.

As recomendações da Comissão Europeia só agora começarão a ser aplicadas na capital. Com base num protocolo estabelecido esta semana entre a Câmara de Lisboa e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, a autarquia compromete-se a reduzir o número de lugares de estacionamento, com a supressão de um dos três novos parques de estacionamento previstos para a avenida. Este objectivo deverá constar no Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Adjacente (PUALZE), através do qual ainda será limitado o estacionamento à superfície. Quanto ao tráfego, a meta é reduzir a circulação de veículos pesados neste corredor, entre o Marquês de Pombal e o Rossio. Mas a passagem e o atravessamento de automóveis ligeiros serão desmotivados.

"A avenida tem umas condições topográficas (encaixada), que impedem uma boa circulação do ar, o que faz com que o efeito poluente se acentue", salienta Francisco Ferreira, cuja a investigação tenta agora perceber quantas das idas às urgência dos hospitais em Lisboa são causadas pela poluição do ar. Um trabalho que pode estar concluído em Dezembro de 2009.

FOTO: Sem as suas árvores, a poluição desta artéria seria ainda mais grave. Vista da Avenida da Liberdade na década de 60 do séc. XX. Fotografia de Amadeu Ferrari (1909-1984). Fonte: Arquivo Fotográfico Municipal.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

ÁRVORES EM PERIGO: Jacarandás na Rua Rodrigo da Fonseca


A Liga dos Amigos do Jardim Botânico (LAJB) da Universidade de Lisboa vem por este meio alertar o Departamento de Ambiente e Espaços Verdes (DAEV) da Câmara Municipal de Lisboa para as caldeiras de algumas árvores de alinhamento (Jacarandás) que foram preenchidas com cimento na Rua Rodrigo da Fonseca:
-Em frente aos números de polícia 8, 15 e 17 (sector entre a Rua Alexandre Herculano e Rua Nova de São Mamede).

Solicitamos à DAEV a remoção do cimento, material que pela sua natureza impermeável tem um impacto negativo no correcto desenvolvimento das árvores.

NOTA: alerta enviado hoje, via e-mail.

FOTOS: Dois exemplos de caldeiras preenchidas com cimento.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Mário Soares pede à Câmara de Lisboa que não ceda aos "amigos do betão"

in Público, 17 de Setembro de 2008

«O ex-presidente da República Mário Soares pediu ontem à Câmara Municipal de Lisboa que não ceda aos "amigos do betão" e que defenda o património e os espaços históricos afectos ao Museu da Ciência e Jardim Botânico, no centro de Lisboa.

"Esta área, de seis hectares no centro de Lisboa, que era o Colégio dos Nobres, desperta hoje grandes apetites aos especuladores amigos do betão. É preciso, pois, defender este património e chamar a atenção das autoridades camarárias para o que seria a sua mutilação", afirmou Mário Soares.

O ex-chefe do Estado falava na abertura do XXVII Symposium of the Scientific Instrument Comission, que decorre no Museu da Ciência, em Lisboa, até ao próximo dia 21. Numa breve intervenção de "boas-vindas" aos cientistas reunidos no Anfiteatro de Química, recuperado e recriando o ambiente original do século XIX, Soares lamentou o estado "um pouco descuidado" do Jardim Botânico, junto ao museu.

Apesar de ser um "homem de letras", Mário Soares disse reconhecer o "valor inestimável do estudo dos instrumentos" [usados quer na química, quer na física e outras áreas da ciência] para os que "estudam e criam ciência", que considerou "o motor para o conhecimento do mundo de hoje". Na abertura do simpósio, o presidente da Scientific Instrument Comission, Paolo Brenni, enalteceu a "herança científica portuguesa" como uma "das mais extraordinárias do mundo".

FOTO: Janelas da antiga Escola Politécnica e tronco de Ficus macrophylla na Classe do Jardim Botânico

domingo, 14 de setembro de 2008

«VERTICAL IS THE WAY TO GO»: os Jardins Verticais de Patrick Blanc



in Financial Times, Margaret Kemp, 8 de Março de 2008

«Patrick Blanc, creator of Vertical Gardens, a system of growing plants without soil, is dressed from head to toe as a jolly green giant. "I've looked like this for the last 30 years," he admits, running long fingernails through leaf-green highlighted hair. "I used to get strange looks, but everyone's into wacky colour now."

We sit in Les Ombres, the roof-top restaurant at the Jean Nouvel-designed Quai Branly museum in Paris. Located opposite the Eiffel Tower, Branly was commissioned by Jacques Chirac to showcase the indigenous arts of Africa, Asia, Oceania and the Americas. Blanc's vertical garden, covering the museum's administrative buildings and theatre, is visible in the distance. We order lunch. "No water for me, that's for the plants," he tells the waiter. "I'd love a bottle of Meursault please."

Blanc explains: "My theory is that when architecture and plants are integrated on a truly massive scale, the city takes on a whole new angle." He believes there is no end to the locations that could use his help: parking lots, train stations, the metro, "those difficult spaces where you don't expect to see greenery". What excites Blanc "is reintegrating nature where one least expects it. We live more and more in cities and plant walls have a future for the well-being of urbanites. Forget horizontal, vertical is the future," he insists.

Blanc's creations, richly illustrated in the book Vertical Gardens: Bringing the City to Life , range from outdoor cityscapes to indoor living rooms. "The city and its inhabitants can only benefit from this movement. The vogue for green walls is a positive sign," say the book's authors, Anna Lambertini and Jacques Leenhardt.

"It's easy, anyone can do it," Blanc winks. He explains that to ensure the vegetated exterior wall of, say, the Quai Branly museum remains stable and weatherproof, two layers of felt are attached to PVC plastic sheeting. This is fixed to a metal framework, providing an air-space between the wall and plant. The felt layer retains water fed from a drip irrigation system and provides a good micro-environment for plants, while a gutter is installed at the bottom to collect residue. Nothing needs trimming and the density of the planting stops weeds sprouting.

But surely growing plants out of a wall is too heavy for the structure? Not according to Blanc, who takes his inspiration from years of research in the world's jungles and rainforests. "The weight of the Vertical Garden, including plants and metal frame, is less than 30kg per sq metre. A garden can be installed on any wall, without any size limitation."

For big spaces, the cost is about €600 per sq metre, plus labour. For a smaller area of 40 sq metres, this increases to €1,200 a sq metre. "Smaller spaces are more complex," says Blanc, who has patented his Vertical Gardens and is aware of imitations. "I don't mind though. Imitation is a form of flattery, no?"

Installations are carried out by a team of gardeners and Blanc takes a percentage of the overall cost as salary. "I'm always on site to see what's happening," he says. Looking down at the restaurant's carpet, he cringes at the sight of his own damp, muddy footprints. "I've just come from Rue d'Alsace, the biggest project I've ever created, and most of it is on Les Ombres' floor!" Blanc, a town boy, grew up in the Parisian suburb of Suresnes, in an apartment with no garden. He always loved plants and a teenage trip to an international horticultural exhibition was the catalyst of an award-winning future in botany and science.

Holidays were spent collecting rare plants and fish (for his aquarium) in exotic places. "In the tropics I discovered how hanging plants grow from the top down at cave entrances and don't always have to grow upward," he says.

A recent Paris exhibition of Blanc's work, Folie Végétale, included some of his experimental designs in growing plant ceilings. Blanc admits his laboratory/experimental garden, at home in Créteil, resembles The Day of the Triffids . "It's getting too small," he chuckles. "We're over-run with plants, books and my 600 shirts."

And does he talk to the plants? His eyes roll skywards as he says: "They've got their lif, I've got mine; we don't really speak the same language."

We leave the restaurant to study his Branly wall close up. Construction began in 2004, with 15,000 plants representing 150 different species.

"I'm only interested in plants that grow with roots attached to surfaces. In their struggle for light, plants learn how to live together, generating astonishing strategies to adapt, inventing their own forms and behaviours," he says, lovingly rubbing green and purple herbs and shoots. Passers-by stop, smile and stare, fascinated at this living botanical catalogue.

Leaving Blanc to his wall and walking home, I notice how naked the buildings on the wide avenues seem. It's obvious there's no end to the work ahead for the jolly green giant.»

FOTOS: Jardim vertical no Musée du Quai Branly em Paris

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

CONCERTO a favor do Jardim Botânico: dia 14 de Setembro

Concerto para Crianças a favor do Jardim Botânico

Trio de Cordas do Moscow Piano Quartet
Maria Castro-Balbi: Violino
Alexandre Delgado: Violeta
Guenrikh Elessine: Violoncelo

Dia: 14 de Setembro de 2008 (domingo)
Hora: 11:30
Local: Anfiteatro Chimico dos Museus da Politécnica
Rua da Escola Politécnica, 56
1269-102 Lisboa

Organização: Liga dos Amigos do Jardim Botânico

Donativo: 5 euros p/ criança; 8 euros p/ adulto

Nota: O espaço é limitado, por favor confirme a sua presença através do telefone 934 576 821 (entre as 10:30 e as 17:00)

sábado, 6 de setembro de 2008

AS ÁRVORES E OS LIVROS: António Gedeão

Poema das árvores

As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.

FOTO: Chorisia crispiflora vista da Classe do Jardim Botânico