A recuperação do espaço verde criado em 1873, a arrancar em meados do próximo ano, será feita com recurso ao meio-milhão de euros ganhos pela proposta vencedora do Orçamento Participativo 2013/2014. Mas a sessão de apresentação do plano ficou marcada por duríssimas críticas dos membros da Liga dos Amigos do Jardim Botânico. Dizem que o projecto foi feito a pensar nos turistas e criticam a alegada insustentabilidade ambiental do sistema de rega. Os responsáveis pelo projecto refutam as acusações.
Texto: Samuel Alemão
A reabilitação do Jardim Botânico de Lisboa deverá arrancar no próximo ano, mas a contestação e a polémica em torno do projecto começaram logo na sessão de apresentação pública, ocorrida ao princípio da noite desta quinta-feira (23 de Julho), no palmário ali existente. Tudo porque a Liga dos Amigos do Jardim Botânico contestou no local, e de forma veemente, a forma como se materializará a obra de recuperação daquele espeço verde, que será levada a cabo com recurso a um financiamento camarário de meio-milhão de euros resultante da proposta 121 ter sido a mais votada no Orçamento Participativo de Lisboa 2013/2014. “Este é um projecto virado para os turistas, que desvirtua a essência do jardim”, acusam os membros da liga.
Estava-se quase no fim de uma sessão de detalhada apresentação, mas também de autêntica celebração e elogio mútuo por parte dos intervenientes na elaboração do projecto – que foi esmiuçado tanto por José Pedro Sousa Dias, diretor do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MNHNC) da Universidade de Lisboa, entidade responsável pelo espaço, como por João Castro, arquitecto paisagista que liderou a equipa da Câmara Municipal de Lisboa responsável pelo plano de recuperação do jardim nascido em 1873. E quando chegou a vez de serem feitas perguntas, vieram também as fortes críticas dos membros da Liga dos Amigos do Jardim Botânico, sobretudo da sua presidente Manuel Correia, para quem “o projecto não resolve o problema de base do Jardim Botânico”.
O projecto ontem apresentado contempla a reabilitação do jardim, a recuperação dos edifícios de apoio, a implementação de um sistema informativo e de comunicação e ainda a remodelação das redes de infra-estruturas de apoio ao jardim e edifícios. Será realizado em duas fases, privilegiando na primeira fase um plano de recuperação do jardim na zona do Arboreto, isto é, a zona inferior daquele espaço verde, onde se concentram espécies de estratos arbóreos, arbustivos e herbáceos. Aí serão privilegiadas infra-estruturas como os caminhos, os sistemas de rega e também da rede de escoamento de águas pluviais. Nessa zona será também construído um pequeno anfiteatro ao ar livre, que será utilizado para espectáculos.
“Nesta fase, reduziremos drasticamente a intervenção na Classe” – parte superior do Jardim Botânico, onde se concentram as famílias das dicotiledóneas e gimnospérmicas, mas no qual se concentra sobretudo “património edificado a necessitar de cuidados especiais” -, explicou o director do MNHNC. Antes, já havia dito que “estes 500 mil euros parecem muito dinheiro, mas, quando se trata de um jardim de cinco hectares e com o valor histórico e natural deste, haveria sempre que fazer-se opções”. Daí o facto de o responsável esperar que, numa fase posterior, se venha a conseguir captar mais dinheiro para recuperar outras partes do jardim que está classificado como Monumento Nacional.
Atento a esse estatuto, o arquitecto João Castro, da Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CML, frisou que a principal preocupação do projecto desenvolvido pela equipa por si liderada era o de manter quase intacta a imagem do jardim, “ que mudou muito pouco desde a sua criação”. “Há áreas onde não vamos mexer, porque possuem características tão identitárias que qualquer intervenção as descaracterizaria”. “Não estamos a tratar este jardim como outro jardim qualquer. Tivemos esse cuidado”, sublinhou.
Uma apreciação que não se revelou suficiente para travar as críticas contundentes, que viriam logo depois – e quando o vereador José Sá Fernandes ainda estava na sala. Falando em nome individual, Jorge Teixeira Pinto confessou não perceber o destaque dado na apresentação aos arranjos das infraestruturas, “quando diversas árvores do jardim estão doentes e a morrer”. Mas foi Manuela Correia, presidente da Liga dos Amigos do Jardim Botânico, quem mais criticou, e com maior intensidade, o projecto ali revelado ao público. “Este não é um jardim como os outros e neste projecto de reabilitação privilegia-se o visitante, o turista, e não a faceta de botânica, que é a principal deste Monumento Nacional”.
A dirigente da associação foi mais longe e criticou também José Pedro Sousa Dias por não ter convidado a Liga a dar a sua opinião sobre o plano que ali se apresentava. O director do museu respondeu-lhe que havia sido “uma opção”, fundada no facto de as relações entre as duas partes estarem longe de ser amistosas. Na contra-resposta, Manuela Correia recordou “obras ilegais” realizadas no Jardim Botânico, em 2012, e “denunciadas pela Liga” à Direcção-Geral do Património Cultural. Além disso, apontou ainda a existência de “três painéis ilegais na fachada do edifício do museu” – situação que deixou visivelmente incomodado José Pedro Sousa Dias e outros elementos presentes na assistência.
Mas Manuela Correia e outros elementos da referida associação criticaram também o facto de, alegadamente, o projecto de reabilitação não garantir a sustentabilidade total do sistema de rega. Actualmente, quase toda a rega é feita com recurso à água da rede pública. “É um crime ambiental”, acusou a presidente da Liga. Uma afirmação contestada tanto por José Pedro Sousa Dias e João Castro, que apesar de admitirem a impossibilidade em garantir um aproveitamento integral da água proveniente das chuvas, rejeitaram a ideia de que pouco foi feito para alterar tal situação.
“A água da EPAL vai continuar a ser utilizada, a alimentar o jardim, porque este não tem água suficiente”, admitiu João Castro, o arquitecto paisagista camarário. Por seu lado, o director do museu disse ter sido “com muita tristeza que se assumiu que o Jardim Botânico não tem capacidade de armazenamento da água e que o nível freático é quase nenhum”. Ainda assim, o técnico responsável pela elaboração do projecto de rega, Francisco Manso, disse que aquele que irá ser implementado no Jardim Botânico “está ao nível do melhor que se faz no mundo” e tentará aproveitar ao máximo a água que puder ser aproveitada.
No final da sessão, Manuela Correira reiterou ao Corvo tudo o que havia dito. “Tenho sérias dúvidas que, com a implementação do projecto que foi apresentado, isto continue a ser um jardim botânico. O que se quer é trazer para aqui turistas”, afirmou.
in O CORVO, 24 Julho 2015
Foto: Há árvores em mau estado, ou mortas, que ficam durante anos, por vezes décadas, sem serem removidas e/ou substituídas; Haverá água nos lagos e regatos, wifi e iluminação mas parece que continuará a faltar um plano estratégico de replantações no Jardim Botânico...
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