quinta-feira, 12 de março de 2009

PUALZE: os comentários da LAJB

Exmo. Senhor Presidente da CML

A LIGA DOS AMIGOS DO JARDIM vem apresentar junto de V. Exa., ao abrigo do artigo 77.º nº3 do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 316/2007, de 19 de Setembro, no âmbito do período de Participação Pública do Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente os seguintes, comentários, sugestões e reclamações:

1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

1.1 Os portugueses em geral e os lisboetas em particular precisam de alterar os actuais comportamentos insustentáveis - são dos cidadãos da UE com maior pegada Ecológica;

1.2 Cada português gasta em média 2,26 milhões de litros de água por ano, um resultado muito mais elevado do que a média mundial – 1,24 milhões de litros anuais por pessoa – e que coloca Portugal no sexto lugar dos piores gestores mundiais deste recurso vital;

1.3 Portugal tem dos sectores imobiliários mais insustentáveis da UE – o investimento na reabilitação urbana não ultrapassa os 4% do valor de todas as empreitadas quando a média europeia é de 33%;

1.4 A actual primazia das viaturas de transporte particular na maioria das deslocações dentro da capital penaliza a qualidade de vida dos lisboetas resultando em parte, da oferta de transportes colectivos deficiente – a importância do transporte particular na região de Lisboa aumentou de 26% para 46% entre 1991 e 2001;

1.5 A Av. da Liberdade regista níveis de poluição do ar muito acima do estabelecido na legislação – apresenta níveis de poluição dos mais elevados do país e do conjunto das capitais europeias;

2. LIMITES DA ÁREA DE INTERVENÇÃO Os limites da área de intervenção do PUALZE devem ser revistas pois apresentam incoerências, como por exemplo:

-Apenas o Arboreto do Jardim Botânico foi incluído, estando inexplicavelmente excluída toda a zona da Classe. Também o antigo Picadeiro do Colégio dos Nobres e os edifícios da antiga Escola Politécnica, actual MNHN estão fora do plano. Sendo o Jardim Botânico uma unidade indivisível sob todos os aspectos (Ambientais, Paisagísticos e Históricos) consideramos que o PUALZE deve assumir essa realidade. Acresce ainda que a Classe, estando a uma cota mais elevada, tem relações de vistas muito importantes com a envolvente urbana que não podem ficar excluídas deste instrumento de planeamento urbano. Alguns dos problemas actuais de desordenamento e de destruição de vistas de que sofre a Classe resultam precisamente da falta de consideração desta plataforma como miradouro sobre a cidade. Desenvolvemos esta questão no Ponto 5.

-Sendo a Av. da Liberdade um vale, seria natural que os limites do PUALZE seguissem as cumeadas das encostas. Assim, do lado do Jardim Botânico, o limite deveria seguir a antiga estrada formada pela R. de S. Pedro de Alcântara/R. D. Pedro V/R. da Escola Politécnica. Não vemos razão para, por exemplo, excluir o Miradouro de S. Pedro de Alcântara (tão interdependente das vistas de/da Av. da Liberdade) e a frente urbana da R. D. Pedro V (do nº 2 ao 108). É mais coerente que o PUALZE pare no Largo do Rato onde de facto termina o plano urbano de Ressano Garcia. Mas o limite proposto não só deixa de fora arruamentos como a R. Nova de S. Mamede como também não inclui os últimos imóveis da R. do Salitre e da Ru. Alexandre Herculano. Noutros locais os limites do PUALZE não parecem respeitar as unidades lógicas que formam a cidade tradicional, sejam elas a rua, o quarteirão, o edifício/logradouro, ou o jardim. Vemos ruas, quarteirões, edifícios e jardins cortados a meio pelas linhas que delimitam a área do PUALZE. Se do lado da encosta do Torel o PUALZE inclui, na íntegra, a Calçada do Lavra e o seu Ascensor da Carris, já na encosta oposta o limite da área-plano corta a meio a Calçada da Glória, deixando de fora o troço superior do seu Ascensor. Estas desigualdades devem ser corrigidas para que o PUALZE corresponda à realidade como os cidadãos a vivem. Desenvolvemos esta questão no Ponto 3.

3. MOBILIDADE

3.1. Mobilidade Rodoviária e Estacionamento - Apesar de todos os estudos efectuados para a caracterização do tráfego rodoviário em circulação na Av. da Liberdade demonstrarem a prevalência de comportamentos insustentáveis na área da mobilidade (ex: cerca de 40% dos veículos são viaturas propriedade de empresas) o PUALZE, revela uma preocupação excessiva com o estacionamento para viaturas de transporte particular. Actualmente um peão não pode fazer um percurso contínuo através das placas arborizadas da Av. da Liberdade. A um cidadão a pé é exigido que interrompa o seu percurso de cada vez que termina uma placa arborizada. Para chegar à seguinte placa tem de atravessar 3 passadeiras – situação que multiplica em seis locais. Ou seja, um peão tem de atravessar 18 passadeiras para passear nos jardins da Av. da Liberdade. Deveria ser possível fazê-lo atravessando, no máximo, 6 passadeiras. Por contraste, os veículos automóveis têm várias regalias, desde o estacionamento (à superfície e no subsolo) à circulação. Houve nas últimas três décadas grandes investimentos na área do estacionamento e da circulação rodoviária e pouca atenção aos direitos dos peões.

“A circulação automóvel na cidade histórica deve ser controlada, da mesma forma que zonas de parqueamento não devem lesar o tecido antigo ou a sua envolvente."

Adoptada em 1987, a Carta para a Conservação das Cidades Históricas, Carta de Washington, figura entre os muitos documentos do normativo internacional para a área do património nos quais se recorda que a cidade histórica requer tratamento de excepção também em matéria de gestão de tráfego. Outra recomendação mais recente, da UNESCO, Memorando de Viena, 2005, defende uma vez mais fortes restrições à circulação e estacionamento de veículos particulares nos centros históricos. Assim, a projectada construção de dois parques de estacionamento (com 264 lugares cada) sob a Av. da Liberdade (um no cruzamento da R. Barata Salgueiro e outro na R. Manuel Jesus Coelho) constitui um erro estratégico. Não só ignora as normativas internacionais de gestão dos centros históricos como também dificulta a adopção dos transportes públicos como primeira escolha da mobilidade urbana. Em Lisboa a norma tem sido a de pôr os carros em parques subterrâneos construídos à custa do património cultural (destruição de vestígios arqueológicos) e do património natural (impermeabilização de solos inviabilizando a arborização do espaço público). Como é fácil de constatar, os novos parques de estacionamento não conseguem resolver a procura nem de visitantes nem de moradores. Na sessão de debate pública vários moradores criticaram a construção de parques de estacionamento em zonas residenciais. Numa zona central, como a Av. da Liberdade, acabam por ser apropriados por visitantes que vêm para o centro da cidade de transporte particular. A serem construídos, os parques devem ser exclusivamente para moradores para que não se crie uma oferta que irá atrair o uso do transporte particular, algo que o PUALZE tem pretensão de reduzir.

A solução do estacionamento não pode passar pelo investimento, que se revela sempre fútil porque insuficiente, em mais lugares de estacionamento no centro histórico mas sim numa rede coerente de transportes colectivos capaz de mudar hábitos de mobilidade insustentáveis. O facto de nos próximos anos estar prevista a construção/reconstrução de vários edifícios na área do PUALZE, nomeadamente vários hotéis e escritórios, com oferta de centenas de novos lugares de estacionamento subterrâneo, tira relevância ao projecto de construção dos dois parques subterrâneos nos cruzamentos da Av. da Liberdade.

Tal como noutros planos de urbanização, verificamos também no PUALZE pouca atenção dada ao Transporte Público. Estranhamos a falta de estudos/pareceres por parte da Carris e do Metro. Se no caso do Metro a rede estará consolidada na área do PUALZE, já a Carris pode ter um papel fulcral na melhoria da mobilidade da zona. Não só há a considerar as ligações entre a Avenida da Liberdade e as colinas (Ascensor do Lavra e Ascensor da Glória) como também as ligações a sul e a norte. Até por razões históricas a Carris devia ter sido convidada a participar – o Ascensor do Lavra que liga a Av. da Liberdade com a colina de Santana celebra, no dia 19 de Abril, 125 anos.

Depois do declínio verificado no modo eléctrico na maioria das grandes cidades do mundo nos anos 60 e 70, verifica-se actualmente um relançamento deste meio de transporte confortável e amigo do ambiente. É pois com preocupação que notamos a ausência do transporte público eléctrico no PUALZE. Lembramos que Lisboa não investe em eléctricos de nova geração desde o primeiro - e único até à data - inaugurado em 1995 (E15: Belém/Praça da Figueira). Lisboa é a única capital da UE sem investimento na expansão do transporte público eléctrico. Para além do regresso do Eléctrico 24 (Cais do Sodré/Campolide), é importante equacionar um eléctrico de nova geração que atravesse o eixo da Av. da Liberdade ligando a Baixa ao alto do Parque Eduardo VII.

3.2 Mobilidade Pedonal - A Liga dos Amigos do Jardim Botânico aprova as propostas de pedonalização de alguns arruamentos, como por exemplo o Largo da Anunciada, mas alerta para a urgência de investir na correcção dos graves problemas na área da mobilidade pedonal em toda a área do PUALZE, como por exemplo:

-R. de S. José e R. de Santa Marta: apesar de estas serem artérias de grande tráfego pedonal, encontramos aqui passeios com dimensões inaceitáveis fruto da primazia que se tem dado ao automóvel. No passado não houve hesitação em se reduzir os passeios para 30cm (ex: R. de Santa Marta, 5) ou até para 20cm (ex: R. de S. José, 154) para possibilitar a circulação e o estacionamento, à superfície, de viaturas de transporte privado.

-Calçada da Patriarcal, R. da Mãe D’Água e R. da Alegria: um conjunto de arruamentos de grande importância para a acessibilidade pedonal entre o vale da Av. da Liberdade e a zona urbana da Praça do Príncipe Real. A meio desta encosta existe uma entrada para o Jardim Botânico - Portão da Praça da Alegria. O potencial pedonal destes arruamentos encontra-se desaproveitado devido, em parte, à má qualidade do espaço público: passeios de dimensão insuficiente, excesso de estacionamento à superfície e falta de árvores.

Para o PUALZE cumprir a sua missão de reduzir o tráfego rodoviário, precisa também de um investimento estratégico na mobilidade pedonal:

-Alargar passeios (com instalação de barreiras de protecção do estacionamento)
-Pedonalizar arruamentos
-Retirar estacionamento à superfície em arruamentos com passeios insuficientes
-Arborizar arruamentos (criar o conforto Ambiental propício ao andar a pé)

LAJB quer que o PUALZE prepare a Av. da Liberdade para o novo paradigma da mobilidade urbana - a mobilidade sustentável. Para cumprir essa missão é preciso desinvestir nos equipamentos e projectos que promovem o uso do transporte particular e investir em projectos que incentivem o andar a pé e o uso dos transportes colectivos. Precisamos de preparar o espaço público para o conforto e a segurança dos peões de forma a fazer do andar a pé uma opção válida e atraente.

4. ESPAÇOS VERDES E ÁRVORES DE ALINHAMENTO

4.1 Logradouros e Jardins: A LAJB fica satisfeita com a proposta de expansão da área verde no Ateneu/Torel, garantindo assim a sobrevivência de uma das últimas parcelas de solos livre de construções na envolvente da Av. da Liberdade. O novo espaço verde a criar deverá ser articulado com o Jardim do Torel e o Campo dos Mártires da Pátria.

No entanto, continuamos a recear a densificação urbana e aumento da impermeabilização dos solos nesta zona sensível do sistema hídrico. A ocupação dos logradouros é um problema grave que o PUALZE deve assumir propondo soluções urgentes sob pena de chegarmos a situações irreversíveis. Constatamos com preocupação que o PUALZE não considera uma classificação especial para os logradouros e jardins confinantes com o Jardim Botânico. Uma distinção destas justifica-se dada a importância do ecossistema deste jardim classificado «Monumento Nacional».

Na nossa opinião o PUALZE não aprofunda suficientemente a Estrutura Verde da zona. É importante fazer o levantamento de espécies arbóreas com valor patrimonial. A título de exemplo, referimos a falta de reconhecimento de alguns jardins/logradouros privados onde existem arboretos com espécies arbóreas de grande interesse Botânico, e que em certos casos são um indispensável enquadramento da arquitectura:

-Logradouro do edifício na R. D. Pedro V, 76: Araucaria excelsa

-Logradouro do edifício na R. Barata Salgueiro, 21: Celtis australis (Lodão)

-Jardim do edifício na Av. da Liberdade, 187: Ficus macrophylla

-Jardim do palacete na R. do Salitre, 142: Ficus macrophylla

-Jardim do palacete da R. do Salitre, 146: Dracaena drago (Dragoeiro)

-Jardim do Palacete Fontana na R. da Escola Politécnica 100: Ficus macrophylla

-Jardim do Palácio da Anunciada / R. das Portas de Santo Antão, 118-126: Dracaena drago (Dragoeiro) e Schinus molle (Pimenteira); Este jardim em terraços deveria ser classificado como «Área Verde Privada a Salvaguardar».

-Jardim do Palacete Ribeiro da Cunha / Praça do Príncipe Real, 26: neste arboreto existem várias espécies centenárias com valor botânico como por exemplo, Phytolacca dioica (Bela-Sombra), Phoenix canariensis (Palmeira das Canárias), Araucaria excelsa e um Celtis australis (Lodão). De realçar ainda o facto do conjunto arbóreo deste jardim desempenhar um papel essencial de enquadramento do palacete romântico. Por último alertamos para o facto deste jardim, conjuntamente com os logradouros arborizados dos imóveis vizinhos, funcionarem como «zona tampão» de protecção do Jardim Botânico. Estes jardins, apesar de privados, fazem parte integrante do ecossistema do Jardim Botânico – notar que as copas das árvores do Jardim Botânico se fundem com as copas das árvores dos jardins privados. Assim, ao analisarmos a «Planta 47 – Identificação das áreas onde o PUALZE altera o PDM de 1994», a LAJB constatou que o Jardim do Palacete Ribeiro da Cunha foi desclassificado do seu anterior estatuto de «Área Verde Privada a Salvaguardar». Pelas razões expostas, a LAJB opõe-se a esta desclassificação.

A LAJB considera que o PUALZE não previne a impermeabilização dos solos na zona de protecção do Jardim Botânico. Prova disso é o facto de apenas dois logradouros confinantes com o Jardim Botânico estarem classificados como «Área Verde Privada a Salvaguardar» (Pr. Príncipe Real, 20-22; R. da Escola Politécnica, 12-26). Outra prova da falta de protecção é o facto de existem vários projectos imobiliários a decorrer, ou já terminados, na envolvência directa do Jardim Botânico que incluíram o abate de árvores e a impermeabilização de logradouros. Desenvolvemos esta questão no Ponto 5.

4.2 Árvores de Alinhamento: Para a LAJB, o arvoredo da Av. da Liberdade é um dos mais importantes elementos caracterizadores de toda esta zona urbana. A salvaguarda, e melhoria das condições de vida, destas árvores de alinhamento deve ser uma prioridade do PUALZE. Lamentavelmente, na segunda metade do séc. XX foram abatidas quase duas centenas de árvores por falta de cuidado no planeamento de várias obras públicas, nomeadamente, a construção do metropolitano e do estacionamento subterrâneo nos Restauradores. Só a construção da estação Avenida, por ser demasiado à superfície e exactamente por baixo das placas arborizadas, provocou a exclusão definitiva de 64 árvores. Mais recentemente, as obras de alargamento da estação Marquês de Pombal provocou, pelos mesmos motivos, a exclusão de 45 caldeiras de árvores. Também a construção do estacionamento subterrâneo de grandes dimensões no subsolo da Praça dos Restauradores levou à sua impermeabilização quase total, inviabilizando a arborização. Das mais de 50 árvores de alinhamento que existiam nos Restauradores sobrevivem apenas 12 no passeio lateral nascente. Segundo o levantamento da LAJB já existem 148 caldeiras inviáveis para receber árvores:

-Placas lado nascente: 47 árvores perdidas
-Placas lado poente: 101 árvores perdidas

A sobrevivência das árvores da Av. da Liberdade ficará em perigo com as novas «ilhas de calor» que serão criadas com a proposta dos parques de estacionamento subterrâneo sob cruzamentos da Av. da Liberdade. Os sistemas radiculares das árvores na proximidade dos novos parques subterrâneos serão negativamente afectados. Por último, lembramos que as árvores ajudam a poupar até 10% do consumo de energia dos edifícios ao moderarem o microclima de um arruamento. Por todas estas razões, o PUALZE deve dar prioridade total à conservação, em boas condições, de todas as árvores da Av. da Liberdade. Sugerimos ainda que o PUALZE inclua um levantamento dos arruamentos que podem receber árvores de alinhamento não só como forma de compensar as árvores perdidas na Av. da Liberdade mas também para reduzir consumos energéticos dos edifícios.

5. PATRIMÓNIO, CÉRCEAS E SISTEMA DE VISTAS

É com preocupação que vemos a delapidação do património arquitectónico, em particular na Av. da Liberdade. Não parece existir ainda um entendimento profundo da paisagem urbana consolidada enquanto todo coerente de interesse histórico, artístico, científico para Lisboa. Os testemunhos arquitectónicos do final do séc. XIX e início do séc. XX estão a ser reduzidos a fachadas descontextualizadas. Ao analisar as intervenções recentes, só na Av. da Liberdade, é claro que se está a reduzir o património arquitectónico a uma questão de fachadas. Não se valoriza suficientemente os interiores enquanto recurso patrimonial para uma capital competitiva no contexto da EU.

Também o aumento de cérceas, a alteração da geometria dos telhados e a ocupação caótica de coberturas tem vindo a comprometer o sistema de vistas entre o vale da Av. da Liberdade e as cumeadas. Numa cidade como Lisboa, com uma topografia marcada por colinas, as coberturas dos edifícios devem ser tratadas com especial cuidado – devem ser concebidas como a quinta fachada de um imóvel.

Preocupante também é a falta de qualidade arquitectónica dos novos edifícios. A área do PUALZE contém uma grande diversidade patrimonial com obras assinadas por alguns dos melhores arquitectos e artistas dos diferentes períodos históricos. Mas se até aos meados do séc. XX ainda se ergueram imóveis de arquitectos como Ventura Terra, Raul Lino, Cassiano Branco, Cristino da Silva ou Fernando Silva, já nas últimas décadas só muito raramente apareceram obras de autores qualificados.

Lamentamos igualmente a continuada desqualificação do enquadramento urbano do Jardim Botânico. Nos últimos anos temos assistido a remodelações de antigos edifícios de habitação segundo maus padrões. Na maior parte dos casos nem se podem classificar de reabilitação mas somente de construção nova com retenção da fachada. Dado o estatuto patrimonial do Jardim Botânico, impõe-se que a CML e o IGESPAR adoptem no futuro critérios mais elevados na avaliação dos projectos de arquitectura. Só assim será possível evitar que o Jardim Botânico fique rodeado de fachadas mais próprias de um subúrbio desqualificado do que de uma zona classificada. E, como já referimos, a ocupação caótica de logradouros na Zona de Protecção do Jardim Botânico é outro motivo de grande preocupação da LAJB. Denunciamos de seguida alguns casos para melhor ilustrar os problemas enunciados:

Hotel ÉDEN-VIP / Praça dos Restauradores, 17 a 24: no projecto de adaptação do antigo Cine-Teatro Éden não se respeitou a volumetria original. Como a cércea do edifício foi aumentada em cerca de mais 4 pisos, o resultado foi negativo para as vistas do Miradouro de São Pedro de Alcântara. A empena cega com mais de 4 pisos de altura ganhou uma importância indesejável na encosta, constituindo um obstáculo na paisagem urbana consolidada como se pode verificar pela pela fotografia tirada do Miradouro.

Edifício XENON / Av. da Liberdade, 9: Com uma fachada de vidro com mais quatro pisos que os imóveis vizinhos, o Xenon não respeita nem as cérceas, nem a lógica de composição da frente urbana. Quando visto da Praça dos Restauradores é evidente o impacto negativo que tem nas relações de vistas entre a praça e o Miradouro de São Pedro de Alcântara. Esta volumetria tem um impacto muito negativo nos imóveis classificados que existem na sua proximidade, como é o caso do Palácio Foz (IIP) e do Edifício Paladium. Visto do Miradouro de São Pedro de Alcântara, o impacto negativo do edifício Xenon é também evidente. A vista da Av. da Liberdade encontra-se parcialmente destruída pela volumetria excessiva deste edifício.

Edifício de Escritórios / Av. da Liberdade, 69: um exemplo do tipo de construção nova erguida em que apenas se dá alguma atenção à fachada virada para a Av. da Liberdade. Neste caso concreto o alçado de tardoz, visível da Praça da Alegria, não foi tratado como fachada tendo por isso um impacto negativo. Ao longo de todo o processo de licenciamento desta obra não houve capacidade de antecipar este resultado. Acresce ainda o problema, infelizmente comum, da cobertura do edifício de apresentar instalações técnicas de ar condicionado e de extracção de fumos de cozinhas. Para quem está na Praça da Alegria, a visão da empena e cobertura descuidada deste edifício afecta negativamente o perfil dos telhados dos edifícios daquele conjunto urbano. Não percebemos como é que o PUALZE vai impedir o surgimento de novas situações desqualificadas como a deste edifício.

Hotel / R. Rodrigo da Fonseca, 2; R. do Salitre; R. Barata Salgueiro, 55: Apesar de ainda estar em construção, já é possível identificar nesta obra alguns dos erros mais comuns que se estão a cometer na área do PUALZE. Por exemplo, a LAJB constata que tem sido um hábito permitir aumentos substanciais do número de pisos aos projectos de construção de unidades hoteleiras. É o caso desta obra de adaptação de um antigo prédio dos finais do séc. XIX em Hotel. O aumento da cércea e a alteração da geometria original da cobertura do edifício veio destruir o perfil homogéneo das coberturas dos imóveis da Rua do Salitre. O aumento da cércea deste imóvel veio destruir também uma das vistas do Jardim Botânico, nomeadamente da Classe.

Rua do Salitre, 149: um exemplo da falta de qualidade arquitectónica nas obras de reconstrução de edifícios de habitação dos finais do séc. XIX. Os interiores foram demolidos na íntegra. A fachada de tardoz foi reconstruída sem considerar o desenho e as linhas de composição das varandas de ferro características da arquitectura lisboeta dos finais do séc. XIX. Depois de concluída, o novo alçado de tardoz assemelha-se às fachadas dos prédios de habitação de génese ilegal.

Rua do Salitre, 151-157: outro projecto que nos preocupa pois confina com o Jardim Botânico. Trata-se de um exemplo paradigmático da facilidade com que os logradouros em redor do Jardim Botânico são destruídos por um sector imobiliário ainda centrado no modelo insustentável do «2 estacionamentos por fogo». Para que fosse possível concretizar esse modelo, o interior foi totalmente demolido, incluindo a fachada virada para o Jardim Botânico, e apenas uma faixa estreita do logradouro não foi impermeabilizada. O início das obras foi marcado pelo abate de várias árvores, incluindo um centenário Celtis australis (Lodão) cuja copa se fundia com as árvores do Jardim Botânico. Toda esta operação urbanística ocorre na zona de protecção do Jardim Botânico, junto da antiga cerca pombalina.

Rua do Salitre, 143 e 145-147: Dois antigos imóveis de habitação com pedido de emparcelamento entregue na CML. Como os logradouros confinam com o Jardim Botânico, receamos a repetição dos erros já cometidos nos números 149 e 151-157, isto é, o aumento da volumetria e de cércea, fachada de tardoz com desenho pobre, e a destruição do coberto vegetal seguida por impermeabilização do solo para construção de parqueamento subterrâneo. Estamos particularmente preocupados com o futuro do exemplar centenário de Washingtonia filifera (Palmeira da Califórnia) no jardim do imóvel da R. do Salitre, 143.

Edifício de escritórios / Largo de Jean Monet, 1: Esta obra da década de 70 do séc. XX, exemplifica bem as consequências negativas da construção em altura numa zona histórica consolidada. E apesar deste edifício, de arquitectura banal, se localizar a 200 m da cota mais alta do Jardim Botânico (terraço da Classe), é evidente o impacto negativo que a sua empena cega com 8 pisos de altura tem no sistema de vistas.

Rua Vale do Pereiro, 7-9: Este raro imóvel pombalino, que não vem referenciado na Carta Municipal do Património anexa ao PDM, revela que o levantamento do património na área do PUALZE precisa de ser revisto. A Rua do Vale do Pereiro é um arruamento anterior à abertura do Bairro Barata Salgueiro nos finais do séc. XIX. Este esquecido edifício do séc. XVIII sobreviveu às transformações urbanas dos últimos dois séculos, apresentando coberturas em mansarda segundo o desenho criado por Carlos Mardel para os prédios pombalinos. Foi entregue na CML um pedido de licenciamento para construção nova (Processo Camarário nº 1564/EDI/2006). O PUALZE vai conseguir estancar a demolição do património arquitectónico, como é o caso do mais antigo testemunho da Rua do Vale do Pereiro?

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Liga dos Amigos do Jardim Botânico manifesta a sua oposição:

-Á redução do peão e do transporte colectivo a papel secundário na mobilidade

-Á construção de estacionamento subterrâneo nos cruzamentos da Av. da Liberdade

-Á construção de estacionamento subterrâneo em logradouros e jardins

-Á redução da área verde e do número de árvores de alinhamento

-Á demolição de interiores do património arquitectónico do séc. XIX e início do XX

-Á alteração de cérceas e da geometria das coberturas do séc. XIX e início do XX

A Liga dos Amigos do Jardim Botânico recomenda:

- Que o PUALZE prepare o espaço público para o conforto e a segurança dos peões de forma a fazer do andar a pé uma opção de mobilidade atraente.

-Que a versão final do PUALZE contemple uma estratégia para os transportes públicos na área em estudo, com pareceres, por exemplo, da Carris e que considere um eléctrico de nova geração que circule nas faixas laterais da Av. da Liberdade.

-Que a "Estrutura Verde" do PUALZE seja aprofundada e que inclua o levantamento de árvores notáveis assim como a efectiva protecção de logradouros e jardins privados.

-Que o Jardim Botânico, por desempenhar um papel importantíssimo na absorção das emissões de Dióxido de Carbono da Av. da Liberdade, seja incluído na íntegra na área do PUALZE.

-Que os logradouros e jardins confinantes com o Jardim Botânico (50 m a contar do muro pombalino do jardim) sejam tratados como "zona tampão", protegendo a hidrologia e por consequência a saúde e sobrevivência deste ecossistema; propomos a sua classificação como «Área Verde Privada a Salvaguardar».

-Que o Património arquitectónico seja considerado de uma forma global e integrada, valorizando os interiores e promovendo padrões elevados nas obras de recuperação e reabilitação; propomos estatuto especial de protecção para a arquitectura do séc. XIX, nomeadamente através da revisão da Carta Municipal do Património anexa ao PDM.

Em conclusão:

A LAJB espera que o PUALZE se afirme pela mudança de paradigma do planeamento da capital e não repita os erros que destruíram algumas das qualidades da Av. da Liberdade e zona envolvente. Preocupa-nos que, de uma forma geral, o PUALZE esteja demasiado centrado no transporte particular em vez do colectivo. Devemos abandonar o actual modelo insustentável da criação de parques de estacionamento subterrâneo no centro da cidade. Lisboa deve privilegiar a direcção de mobilidade e não de tráfego.

Mostramo-nos desde já inteiramente disponíveis para todo e qualquer esclarecimento e colaboração cívica que julgar necessários.

FOTO: uma das 148 caldeiras inviáveis na Av. da Liberdade

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabens pela critica, estou 100% de acordo! Estou a fazer um estudo caso sobre a PUALZE, e adorei o artigo, se nao te importares irei referenciar alguns pontos aqui descritos.
Se tiveres mais informaçoes sobre o assunto, ou algo que aches interessante apresentar, envia-me para sophos_zzzt@hotmail.com.

Cumprimentos